São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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O teatro que vem do frio

A companhia curitibana Sutil comemora 15 anos com mostra de repertório em SP; próximo espetáculo é monólogo com Fernanda Montenegro

Patricia Stavis/Folha Imagem
O diretor Felipe Hirsch, a atriz e tradutora Erica Migon e o ator Guilherme Weber no cenário de "Avenida Dropsie"

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Nunca houve um inverno como este. Há 15 anos, a curitibana Sutil Cia. de Teatro burila sua "estética do frio" (de predileção por personagens e climas melancólicos) com o vento cortante que sopra dos escritos de Arthur Miller, Will Eno, Dalton Trevisan, Will Eisner.
A "frente fria" ganhou força em 2000, com a repercussão de "A Vida É Cheia de Som e Fúria", adaptada do livro "Alta Fidelidade". Logo Marco Nanini, Marieta Severo e Paulo Autran atuariam sob a direção do cocriador da Cia., Felipe Hirsch.
A próxima a experimentar o inverno da Sutil será Fernanda Montenegro, em monólogo inspirado nas cartas de Simone de Beauvoir a Jean-Paul Sartre que estreia entre março e abril.
Mas antes, a companhia celebra a década e meia de existência em uma mostra de repertório que começa nesta quarta, no teatro do Sesi, em São Paulo.
Durante dois meses, o palco receberá apresentações alternadas de "Avenida Dropsie" (de verniz mais pop, inspirada nos quadrinhos de Eisner e seus urbanóides tristonhos), "Não sobre o Amor" (em que o grupo se vale da relação epistolar de dois escritores para fundir teatro, cinema e artes plásticas) e da quase inédita "Thom Pain -Lady Grey" (vista nos festivais de Curitiba e Porto Alegre).
Esta substitui "Som e Fúria" -o grupo não chegou a um acordo com os detentores dos direitos autorais. Trata-se de dois monólogos que buscam colar os estilhaços de uma relação amorosa. Mas vão além: "O espetáculo aborda a falência da linguagem, mostra o quão limitada é a voz que o teatro pode emprestar à dor", diz Hirsch.
Segundo ele, as produções têm como vetor comum "o ímpeto de questionar linguagens em cena": "O teatro pode ser muito mais do que o que vemos hoje. É possível frequentar feudos diferentes, mesclar formatos; os radicalismos tribais nunca nos conquistaram".
Na entrevista a seguir, Hirsch e o ator Guilherme Weber, cofundador da trupe, detalham essa evolução e falam sobre seus métodos de criação. As perguntas foram feitas, a convite da reportagem, por diretores que Hirsch considera referências (como Abujamra e Antunes Filho), além de dramaturgos (Newton Moreno e Mário Bortolotto) e encenadores (Antonio Araujo e João Fonseca) cujo trabalho ele diz seguir de perto.

 

JOÃO FONSECA - Como a mudança de Curitiba para o eixo Rio-SP contribuiu para a evolução do grupo?
FELIPE HIRSCH
- Na verdade, a sede e os ensaios ainda são em Curitiba, apesar de morarmos no Rio e em São Paulo.
GUILHERME WEBER - A necessidade de nos mantermos em Curitiba é mais do que logística ou bairrista; é criativa. A cidade definiu nossos códigos, a nossa estética veio do frio. Curitiba moldou um vocabulário que é um pouco responsável pelo interesse do resto do país por nós.

MARIO BORTOLOTTO - Sempre parece estar chovendo nas peças da Sutil (e os personagens não se importam com isso). Essa predileção por personagens urbanos melancólicos e solitários aponta um rumo almejado?
HIRSCH
- Sim. A Sutil sempre se aproximou desses personagens melancólicos, nostálgicos ou ao menos banhados no frio que nos acompanhou na juventude.
WEBER - O frio define ideias e sensações. Fomos criados numa cidade fria, em que chove muito, o céu é muito cinza -o que acaba apontando a criação como alternativa de vida.

BORTOLOTTO - Há alguma chance de o grupo fazer uma peça "solar"?
WEBER
- Pode ser que seja sempre um sol de inverno.

NEWTON MORENO - Em que medida a memória dos atores é um instrumento para a construção dos espetáculos da Sutil?
WEBER
- A dramaturgia inédita que temos produzido nos últimos anos [a partir de matriz literária] nasce justamente dos nossos códigos pessoais. Will Eisner foi uma referência muito forte na nossa adolescência;
Dalton Trevisan [cujos personagens inspiraram "Educação Sentimental do Vampiro", de 2007] é um autor que crescemos admirando. O vocabulário pessoal dos integrantes é ouro em pó no processo de criação.

ANTONIO ARAUJO - A companhia tem um vínculo forte com a dramaturgia/literatura contemporânea. Imaginariam convidar um dramaturgo/escritor para produzir um texto originado em sala de ensaio?
HIRSCH
- Na verdade, o roteiro de "Insolação" [primeiro filme dele, em finalização] é fruto do encontro com o dramaturgo americano Will Eno. Quero repetir a experiência no teatro, convidando escritores para uma residência em Curitiba.
Mas, de certa forma, já temos feito isso, com atores e criadores [como a cenógrafa Daniela Thomas e o iluminador Beto Bruel] concebendo espetáculos a partir de uma ideia.

ANTUNES FILHO - Nestes tempos de crise, de regras ditadas pelo mercado, em que, de certa maneira, há um vale-tudo sem hierarquização, como fica o trabalho de criação?
HIRSCH
- É claro que as condições influenciam o seu emocional, a sua inspiração -e você deverá falar sobre o que está acontecendo, o que está vendo e sentindo naquele momento.
Mas a forma de falar não deve ser corrompida por qualquer situação externa. Não há crise que possa ser mais forte do que o amor que você tem quando está criando.

ANTONIO ABUJAMRA - Felipe, você está sendo capaz de olhar para dentro de si mesmo sem susto?
HIRSCH
- Não me assusto comigo, não. Me compreendo, tento me equilibrar. Antes, tinha essa coisa -que deve ser da juventude- da criação que busca o mundo sem reflexão, mas com energia, inspiração, numa atividade instintiva e sensorial.


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