São Paulo, segunda, 2 de fevereiro de 1998

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Irlandeses do U2 descobrem o Sul da América

SÉRGIO MALBERGIER
da Redação

Bono Vox, como bom irlandês, sempre sonhou com os EUA. Os ingleses, senhores do pedaço, não gostam dos vizinhos pobres da ilha ao lado, para dizer o mínimo. O conterrâneo John Lydon, ex-Sex Pistols, chamou sua autobiografia de "No Irish, No Blacks, No Dogs" (irlandês, preto e cachorro não entram), placa comum em estabelecimentos respeitáveis na Inglaterra pré-direitos humanos.
Bono agarrou a América. Claro, é disparada o maior mercado fonográfico do mundo. Mas o apreço parece ser mais genuíno. Bono Vox, como bom irlandês, para desespero dos ingleses, é pretensioso. Quer cantar para o mundo. O idioma do mundo é o americano.
Na turnê "PopMart", tudo é americano. Bono dança empunhando guarda-chuva com a bandeira dos EUA, o palco tem, no centro, uma perna do M de McDonalds e, no fundo, caras de Marilyn Monroe por Andy Warhol.
O casamento U2-EUA é antigo. A banda já fez música para Bilie Hollyday, já tocou com B.B. King, o guitarrista The Edge adotou o modelo cowboy, Bono já cantou em dueto com Frank Sinatra (a quem adoraria substituir no posto de "a voz"), o baixista Adam Clayton refez a trilha da série de TV transformada em filme "Missão Impossível".
Mas, virtude, o U2 não é unifacetado, o que aumenta a penetração em diferentes mercados. É também muito europeu. Num dueto melhor, Bono lamentou a tragédia da guerra da Bósnia com o italiano Luciano Pavaroti, em "Miss Sarajevo". A turnê anterior era europacentrista (Zooropa).
Bono não perde oportunidade para comentar outra terra devastada européia, como Sarajevo (mas com menos mortos): a Irlanda do Norte (sob domínio britânico, isto é, inglês).
E, bem quando estava no Brasil, um fato fundamental daquelas tristes paradas temperadas aconteceu. O primeiro-ministro (inglês) do Reino Unido, Tonny Blair, anunciou na quinta-feira que o Domingo Sangrento ("Bloody Sunday"), o massacre de 14 católicos desarmados por soldados ingleses em Londonderry, será reinvestigado. Na época, os soldados saíram livres. No dia seguinte, sexta-feira, primeiro show em São Paulo, era o 26º aniversário do massacre.
Bono mandou no Morumbi o megasucesso "Sunday, Bloody Sunday" acústico e agradeceu a Blair. Se algum inglês algum dia fizer aquela biografia de Bono (ou do U2) ultradetalhada, São Paulo já pode ter seus dois parágrafos de fama. Foi aqui que Bono soube de um grande avanço na pacificação irlandesa.
"Este é o momento de nossas vidas", disse o cantor ao final do primeiro show paulistano. Deve seguir por Argentina e Chile sabendo que América pode ser também do Sul. As faces do artista, como os mercados, aumentam.



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