São Paulo, sábado, 02 de março de 2002

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A filosofia sai da caverna

Reuters
O Partenon, em Atenas, capital da Grécia, em noite de lua cheia em 1999; o templo é uma das principais construções do período clássico grego, um dos momentos áureos da história da filosofia


Marilena Chauí lança projeto que ilumina os 2.500 anos de história filosófica


Primeiro volume de "Introdução à História da Filosofia" será lançado na próxima semana


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em algum momento perdido entre os séculos 7 e 5 antes de Cristo, em pequenas colônias gregas polvilhadas na chamada Ásia Menor, o homem começou a parir uma forma totalmente nova de pensar. A esse modo radical de raciocinar foi dado o nome de "amizade ao saber", ou filosofia para os íntimos.
Essa história de mais de 2.500 anos de idade ganha, a partir da próxima semana, sua melhor versão brasileira. Uma das grandes intelectuais do país em atividade, a professora de filosofia da Universidade de São Paulo Marilena Chauí, 60, está lançando o primeiro dos quatro volumes de sua "Introdução à História da Filosofia".
O projeto, desenvolvido pela editora Companhia das Letras, já teve um esboço nas livrarias há dez anos, quando a professora publicou pela Brasiliense uma versão anterior do mesmo trabalho. Ela decidiu suspender a caminhada pela história filosófica quando percebeu que o livro concebido para propulsar os primeiros passos de alunos do ensino médio no assunto estava sendo adotado em universidades. "Fiquei muito abalada e acabei segurando os volumes seguintes."
Nesta reaparição, a história é bem diferente. Chauí usou apenas o esqueleto da obra anterior, operando toda a musculatura do livro. Tirou as características de oralidade que existiam na versão inicial -já que o livro saiu de apostilas de aulas que ela havia preparado para alunos de colegial nos anos 70-, aumentou "a quantidade e qualidade das informações, a quantidade das citações, as referências bibliográficas", incluiu tópicos novos.
"Agora é um livro que pode ser usado no ensino médio e pelos universitários que estudam filosofia em seus cursos", diz Chauí, uma das poucas professoras de filosofia do país que alia com consistência as duas principais facetas da atividade universitária.
O lado "docente", que já rendeu trabalhos didáticos e profundos como "O Que É Ideologia" (coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense), trabalha nos próximos três volumes de "Introdução à História da Filosofia".
A faceta "pesquisadora" frutificou o monumento "Nervura do Real", tese de 1.200 páginas sobre o filósofo holandês Baruch de Espinosa (1632-1677), tema do próximo livro de ensaios de Chauí.
"Não tenho dificuldade para unir essas duas áreas da produção universitária. Faz 30 anos que elas estão juntas, há 30 anos elas me definem profissionalmente", diz.
Na quarta-feira, Marilena Chauí fez uma pausa nas suas "10 a 12 horas ininterruptas diárias de filosofia" para levar a Folha a um breve passeio pelos 2.500 anos de história do pensamento que está tentando esquadrinhar. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - No primeiro volume de sua "Introdução à História da Filosofia" a sra. trata do nascimento dos primeiros conceitos filosóficos. De que modo essas idéias nascidas há 2.500 anos podem ajudar a entender o início do século 21?
Marilena Chauí -
Os filósofos desse período estavam convencidos de que havia sob a realidade visível e aparente uma força natural. E que essa força era a realidade verdadeira, que só o pensamento alcançaria. Se você toma nosso mundo contemporâneo, ele é aquele que diz que a única realidade é a aparência e a superfície das coisas. Que tudo são imagens: da propaganda, da TV, do cinema. Elas são fugazes. Surgem e desaparecem rapidamente.
Nos movemos nessa trama de imagens sem começo e sem fim. O contraponto que temos a isso é a convicção de que há algo a mais do que essa pluralidade efêmera de imagens e de que é preciso ir ao âmago do real para entendê-lo.

Folha - Sair da caverna, à qual Platão alude no Mito da Caverna?
Chauí -
Isso. Sair da caverna. Estou reformulando também meu livro "Convite à Filosofia" (editora Ática, 1994) e começo sugerindo aos alunos que comparem o filme "Matrix" e o Mito da Caverna. E o fato de que, no filme, quando Morpheus leva Neo ao oráculo encontra na porta a inscrição "Conhece-te a ti mesmo", que é a origem da filosofia socrática. É isso. O que a filosofia grega tem de importante para o mundo contemporâneo é a desconfiança profunda com relação às aparências e a idéia de que é preciso conhecer-se a si mesmo para captar o sentido da realidade.

Folha - Quais os maiores desafios de ensinar a história da filosofia do período abordado no livro, dos pré-socráticos a Aristóteles?
Chauí -
Acho que a maior dificuldade é a de apresentar a jovens que desconhecem inteiramente a filosofia aquilo que ela tem de mais difícil, que é o momento da formação de seus próprios conceitos. Isso significa apresentar o que chamo de gênese absoluta dos conceitos.


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