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ENCONTRO
Em projeto que estréia dia 8 em SP, atriz conversa com o público despida de personagem e amparada por poemas
Fernanda Montenegro expõe a delicadeza
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Não tem espetáculo: é uma
mesa, uma luzinha e a cara e a coragem", resume Fernanda Montenegro.
Celebrada pela interpretação de
dramaturgos como Nelson Rodrigues, Gianfrancesco Guarnieri,
Jorge Andrade, Eugene O'Neil,
Friedrich Dürrenmatt, Bernard
Shaw e Samuel Beckett, a atriz experimenta subir ao palco despida
da máscara teatral.
Tampouco versará sobre o ofício para platéias formadas em sua
maioria por estudantes de artes
cênicas, como o faz de quando em
quando, Brasil adentro.
"Encontros com Fernanda" coloca em primeiro plano a mulher.
Sintomaticamente, o projeto do
Centro Cultural Banco do Brasil
tem previsão de estréia em São
Paulo no próximo 8 de março,
Dia da Mulher.
"Com mais de 50 anos em campo, carrego comigo uma platéia
formada por pessoas de 80 a 15
anos. Chegou a hora de falar com
essa gente, de conversarmos sem
a interferência de um personagem, de um espetáculo", diz
Montenegro, 71.
Para tanta exposição, ela ao menos irá se municiar de trechos de
obras de Clarice Lispector ("A
Descoberta do Mundo"), Hilda
Hilst ("Do Amor") e Cornélio Pena ("A Menina Morta").
"Há algo de intrinsecamente feminino nesses autores, e citaria
ainda Cecília Meireles, Marguerite Duras, por exemplo. Sempre os
releio, estão sempre à mão, pois
nos alimentam diante de perguntas e crises", afirma.
Além da âncora poética, a atriz
pretende trazer para o encontro o
tema da delicadeza, espécie de
contraponto à voga da incerteza.
"Delicadeza é uma invenção do
homem. A natureza não é delicada. Só sobrevive aquele que consegue ter mais resistência e força.
As espécies são perpetuadas pelo
mais forte. O esperma que for
mais esperto chegará ao óvulo. A
natureza mata para viver, compreende?"
Sim, e a conversa ao telefone,
São Paulo-Rio, torna-se ela mesma um "Encontro com Fernanda", apesar da impossibilidade da
ternura do olhar.
A atriz observa que não se deve
associar delicadeza a sentimentos
de segunda classe, misto de debilidade, de efeminado, de timidez,
como se convencionou rotular
por aí. Delicadeza assim é "doença", diagnostica.
No dicionário "Aurélio", o
substantivo vem emendado por
sinônimos como "brandura",
"sensibilidade", "sagacidade",
"perfeição", "escrúpulo", "cortesia", "mimo" e "embaraço", o que
dá a medida das margens de compreensão.
E delicadeza não tem sexo, é
bom que se lembre. Apesar da
propensão ao universo feminino,
como a própria intérprete mostrou em seu espetáculo solo "Dona Doida, Um Interlúdio" (87),
sobre poemas da escritora mineira Adélia Prado, é qualidade afeita
à identidade masculina.
Em seu novo projeto, Montenegro resgata tema no qual se debruçou em 99, quando convidada
a participar do seminário "A Era
da Delicadeza", promovido pela
Fundação Planetário da Cidade
do Rio de Janeiro. Então, dividiu a
mesa "Amor e Criação" com o
dramaturgo Alcione Araújo e
com a jornalista Regina Zappa.
Na sua concepção, há muita resistência em ser delicado nos dias
de hoje. A sobrevivência cotidiana, afetiva, emocional, material
(como nas leis da natureza), a imposição da competitividade em
todos os campos, tudo contribui
para tornar a delicadeza um exercício de perseverança.
Apesar da sustentável leveza de
ser do tema, Montenegro não
quer perder de vista a objetividade nos encontros.
"Não pretendo mudar nada do
relacionamento humano, nem esclarecer nenhuma zona que até
hoje não tenha sido esclarecida,
nem propor uma nova linguagem. A conversa será mais embaixo, lá no subterrâneo, não nas alturas, apesar de jamais perder o
seu sentido humano", afirma.
Montenegro retoma parceria
com o cenógrafo J.C. Serroni, que
vem desde 95, em "Dias Felizes",
de Beckett, e passou pela exposição itinerante que comemora
seus 50 anos de carreira (2000) e
pela última montagem teatral,
"Alta Sociedade" (2001), de Mauro Rasi, que não teve temporada
em São Paulo.
Serroni, 51, criou uma ambientação cênica despojada, na qual a
principal referência é a plotagem
(telão) ao fundo, que trabalha
graficamente a palavra "delicadeza" manuscrita. Mais uma mesa,
uma cadeira, um tapete, e só. "Nada que concorra com Fernanda,
mas a ampare", diz.
Apesar da bagagem artística,
que se estende à televisão e ao cinema, e da personalidade pública
que não deixa de comentar e interagir com a chamada sociedade
civil em que está inserida, Montenegro assume a expectativa de se
disponibilizar para um encontro
franco com seu público.
"O frio na barriga nos acompanha em qualquer hora da vida. Ao
acordar, mesmo aparentemente
tranquilo, você tem um dia para
enfrentar, há um ligeiro "frisson".
No final do dia, há o estresse, a
carga diária de quem mora numa
grande cidade e tem que lidar
com o descompasso. Ou seja, o
frio na barriga não é maior ou menor do que aquele que precede o
dormir e o acordar", compara a
atriz, que pertence à geração formada por encenadores como os
italianos Gianni Ratto, Ruggero
Jacobbi, Alberto d'Aversa, o polonês Zbigniew Ziembinski e a atriz
francesa Henriette Morineau.
"Obrigado pela paciência", despede-se Fernanda Montenegro ao
telefone, como se demandasse ao
interlocutor algum esforço, menor que fosse, em meia hora de
delicadeza sem fim.
ENCONTROS COM FERNANDA -
Concepção: Fernanda Montenegro.
Quando: estréia dia 8/3, às 18h30; sex., às
18h30; sáb., às 17h30 e 19h30; dom., às
18h30. Onde: Centro Cultural Banco do
Brasil -°teatro (r. Álvares Penteado, 112,
centro, tel. 0/xx/11/3113-3651). Quanto:
R$ 15. Até 7/4.
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