São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2007

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MÚSICA

ENTREVISTA - ROGER WATERS

Sempre fui radical, contra o sistema estabelecido

Para músico, geração punk não entendeu o que o Pink Floyd representava

Gautam Singh/Associated Press
Roger Waters durante apresentação na Índia, no mês passado


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1985, Roger Waters anunciou o fim do Pink Floyd. David Gilmour, Rick Wright e Nick Mason pensavam diferente. O caso foi parar na Justiça britânica. Com a iminência da derrota, Waters, resignado, fez um acordo extrajudicial e o Pink Floyd, tocado por seus outros integrantes, seguiu em frente. Vinte anos depois, Waters reclama o legado do grupo para si.
Baixista, fundador e principal compositor do Pink Floyd entre 1968 e 1985 (entre 1965 e 1967, a banda era levada principalmente por Syd Barrett, que deixou o Floyd nessa época; ele morreu no ano passado), Waters se apresenta no Brasil nos próximos dias 23 (na praça da Apoteose, no Rio) e 24 (estádio do Morumbi, em São Paulo).
Ele já tocou no país -em 2003. Mas, desta vez, retorna com um projeto especial: além dos antigos sucessos de seu ex-grupo, tocará todas as canções de "Dark Side of the Moon", emblemático disco de 1973 do Pink Floyd. Escorado por músicas como "Money", "Breathe", "Time" e "The Great Gig in the Sky", o "álbum com a capa do prisma" tornou-se um ícone da cultura pop.
"Dark Side..." já havia sido apresentado ao vivo, na íntegra, pelos "outros" do Pink Floyd, em 1994. Para Roger Waters, é um fato que praticamente não existiu. Trinta e quatro anos depois, ele se coloca como o real autor do disco -e justifica dizendo ser o principal compositor e arranjador das canções.
Aos 63 anos, articulado, sua voz serena não combina com os disparos que têm como alvo seus ex-companheiros de banda, os punks e até mesmo Syd Barrett, cuja posição dentro da história do Pink Floyd é relativizada por Waters. A seguir, a entrevista concedida à Folha, por telefone.
 

FOLHA - Os shows no Brasil terão a mesma produção dos shows europeus, com luzes, efeitos?
ROGER WATERS -
Os shows serão ainda mais desenvolvidos. Temos um enorme telão de última geração e um novo tipo de projeção de luzes e imagens que utilizaremos durante a execução das músicas de "Dark Side of the Moon". Isso vai estrear na próxima sexta [hoje] no México. É meio... dramático. Acho que vão gostar.

FOLHA - Você consegue recriar ao vivo todas as particularidades das músicas de "Dark Side..."?
WATERS -
Você pode ir à internet e ler as críticas. Verá que fazemos isso perfeitamente. Trato "Dark Side..." quase como uma peça erudita. Sou bem fiel ao disco. Nos shows, sinto que há uma comunhão entre os fãs, eles conhecem o disco muito bem e apreciam o fato de que quem está lá sou eu. Pois eu escrevi as letras e arranjei a maior parte das músicas. Mais de 30 anos depois, as pessoas ainda se empolgam com essas canções.

FOLHA - O que "Dark Side..." tem de tão especial para você tocá-lo por inteiro hoje?
WATERS -
É um disco musicalmente avançado, foi um ato corajoso lançar algo do tipo à época. Liricamente, os sentimentos que eu tinha em 1973 ainda são relevantes para as pessoas hoje. É sobre não se acomodar com o que está aí, não desistir de suas convicções, resistir às pressões... É sobre situações que estão muito mais presentes hoje do que anos atrás. Não quero soar pomposo, mas acho que as novas gerações simpatizam com o teor político e filosófico do disco.

FOLHA - Muitas canções do disco tratam de sociedades opressoras, do individualismo, do poder do capitalismo... O mundo mudou muito em relação àquela época?
WATERS -
Há coisas que eu falava em 1973 que são mais fáceis de se ver hoje. Ou, melhor, que são mais difíceis de serem escondidas. A idéia de poderosos mudando o esquema do jogo em benefício próprio... Isso existia na época, mas hoje está mais escancarado. Muito por culpa da internet. Trinta anos atrás eu não poderia saber o que as pessoas no Rio ou em São Paulo achavam do meu trabalho, por exemplo. Pessoas como eu... somos uma minoria, mas uma minoria que está crescendo. Talvez entenderão que o modelo materialista e capitalista adotado por muitas nações em desenvolvimento não necessariamente trará felicidade à maioria das pessoas. A queda do comunismo no Leste Europeu não foi uma vitória do capitalismo. Isso é algo que estão entendendo hoje.

FOLHA - O jornalista John Harris, no livro que ele escreveu sobre "Dark Side...", afirma que esse álbum marca o final da influência de Syd Barrett sobre o Pink Floyd. Você concorda? "Dark Side..." iniciava um novo período?
WATERS -
Não concordo. Depois de "A Saurcerful of Secrets" [segundo disco do Floyd], Syd não teve quase nenhuma influência na banda. Entretanto, você pode dizer que conceitualmente "Dark Side..." teve origem em "Echoes", que estava em "Meddle" [com mais de 23 minutos de duração, "Echoes" encerra o disco "Meddle", de 1971]. Há versos em Echoes que dizem: "Strangers passing in the street/ By chance two separate glances meet/ And I am you and what I see is me" [Estranhos caminhando pela rua; por acaso dois olhares se cruzam; e eu sou você e o que eu vejo sou eu]. As idéias a respeito de individualismo e de opressão, que estão em "Dark Side...", vêm dali. Mas não quero diminuir a contribuição de Syd ao Pink Floyd. Sem ele o Pink Floyd nunca teria acontecido.

FOLHA - Hoje está havendo uma reavaliação do papel do Pink Floyd no rock. Você acha que a banda foi injustiçada no aparecimento do punk, quando vocês foram classificados como banda que representava tudo o que estava errado no rock?
WATERS -
No rock and roll, algumas pessoas têm essa idéia de que se você está nesse negócio por mais de dez anos, então você já é algo do passado. Porque rock and roll, supostamente, é coisa de radicais, de mudanças, de revoluções... Se olhassem o que fazíamos, o que escrevíamos, veriam que eram coisas radicais, que iam contra o sistema estabelecido. E esse radicalismo durou até eu sair da banda, em 1985. Houve um erro de avaliação dos jornalistas e daquela geração que se auto-intitulava punk. Eles entenderam tudo errado.

FOLHA - Gostou da reunião do Pink Floyd no Live8 [evento beneficente ocorrido em várias cidades do mundo em 2005]?
WATERS -
Foi emocionante. Faria de novo. Ouvir aquelas canções, com todos juntos novamente... Pessoalmente, acho que seria uma boa se fizéssemos de novo.

FOLHA - Então há esperanças de uma reunião do Pink Floyd?
WATERS -
Não acho que David Gilmour se entusiasmaria com a idéia... Alguém deve perguntar a ele. Acho que ele não gostou muito do Live8. Li algumas entrevistas que ele deu depois em que dizia: "Seria a mesma coisa se Roger Waters não estivesse lá"... Ele ainda parece querer se segurar ao poder. Mas, não sei, de repente ele se aproxima e quem sabe? Seria uma coisa boa.


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