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FERREIRA GULLAR
O dono do pedaço
Lula às vezes me lembra o rei Ubu, de Jarry, e, às vezes, o Macunaíma, de Mário de Andrade
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SE HÁ UM cara que me faz resmungar é o Lula. Veja bem, não
acho que ele esteja se saindo
mal como presidente, já que, além
de sua inegável sagacidade, ele dá
sorte como poucos, e isso é também
uma qualidade. Embora não seja
propriamente supersticioso, acho
que há pessoas que dão sorte, enquanto outras dão azar. Por exemplo, Schumacher sempre dava sorte
nas corridas, ao contrário do nosso
simpático Barrichello, que quase
nunca conta com ela. Claro que,
além dela, o cara tem que ter outras
qualidades, mas se o carro quebra
pouco antes da linha de chegada...
Já o carro do Lula não quebra e,
quando parece que vai parar, vem
outro carro, bate-lhe na traseira e o
motor pega de novo. Ou eu estou
fantasiando? Não é verdade que a
economia mundial vinha mal até
2002 e, ao começar 2003, logo após
Lula tomar posse, iniciou-se um ciclo de crescimento que dura até hoje? E agora, quando parecia que a escassez de chuva ia provocar um apagão energético igual ao que desgastara o governo de FHC, ela se intensificou e encheu os reservatórios. O
apagão já era. Melhor assim.
Como já disse, não sou supersticioso, embora a repetição de certos
fatos às vezes me leve a crer que
existe um espírito mau querendo
me sacanear. Por exemplo, não há
uma tarde de sábado ou domingo
que não seja infernizada pelo disparo do alarme de algum carro em
frente à minha janela. É azar? É acaso? Não sei.
Conheço um cara que diz que
quem briga com ele se dá mal.
- Como assim?
- Explicar, não sei, mas todo cara
que encrenca comigo morre. Não
sou eu quem acaba com ele. Morre
por conta própria. Na empresa em
que eu trabalhava, tinha um diretor
que não largava do meu pé, até que
me demitiram. Pior para ele, morreu naquele desastre da Gol. E semana passada, outro desafeto meu
foi parar no São João Batista, vítima
de um enfarte fulminante. Por isso
te aconselho, não briga comigo.
- E eu sou maluco?
Desse cara, não se pode dizer que
dá sorte e, sim, que dá azar... para os
outros. Lula também, ainda que seu
santo forte não mande os inimigos
para o cemitério; manda os amigos
para a geladeira, se por alguma razão
ameacem comprometê-lo. Foi o que
ocorreu com a ex-ministra Matilde
Ribeiro, que usou mal os cartões
corporativos. Ao dar posse a seu
substituto, cobriu-a de elogios para
não perder o apoio da militância negra e acusou a imprensa de triturá-la. A culpa foi da imprensa, não dele.
O respeito à ética e ao bem público
importa menos que seu interesse
político. Entre o PDT de Lupi e o
Conselho de Ética, fica com Lupi, fazendo-se de mudo, ele que fala pelos
cotovelos. Lula, às vezes, me lembra
o rei Ubu, de Jarry, e, às vezes, o Macunaíma, de Mário de Andrade, que
nasceu na Amazônia, mas poderia
ter nascido em Pernambuco.
E é por essas e outras que resmungo. E não é para resmungar? Se de
um lado demite a ministra, porque
ela pisou nos cartões, não aceita de
jeito nenhum que se investiguem os
gastos feitos, com o uso desses mesmos cartões, no âmbito da Presidência da República. E, com a mesma ligeireza com que defende a ex-ministra, alega que a revelação das despesas presidenciais pode levar a um atentado terrorista, igual ao de Timor Leste. Alguém ouviu falar que
haja, no Brasil, grupos terroristas
dispostos a assassinar Lula?
Até onde se sabe, se algum partido
brasileiro esteve envolvido com
guerrilha terrorista, foi o PT de Lula,
com as Farc. Não obstante, não hesitou em lançar mão de argumento
tão descabido para impedir que se
quebre o sigilo dos gastos presidenciais. Por quê? Ninguém está pedindo que se revelem os esquemas de
segurança que protegem o presidente e sua família, mas que se examinem as despesas correntes, que têm
crescido a cada ano.
Dono do pedaço, sente-se num à
vontade sem limites. Mal tínhamos
nos refeito de suas referências ao
terrorismo e já ele declarava seu integral apoio à tentativa da Igreja
Universal do Reino de Deus contra
jornais e jornalistas. Já são 63 ações
judiciais simultâneas, impetradas
por membros da Iurd, em diferentes
cidades e Estados para inviabilizar a
defesa dos acusados e sob a alegação
de que as informações divulgadas os
sujeitam a agressões e discriminações. As informações são de que a
Iurd possui 40 estações de rádio, 23
emissoras de televisão e mais 19 empresas, registradas em nome de integrantes seus, o que ela não desmente. E não causa surpresa que
não o faça. Surpresa causaria o presidente da República tomar o partido de quem pretende calar a imprensa. Mas também não causa.
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