São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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Record e Globo brigam por música



Disputa acirrada entre as emissoras chega à indústria das trilhas sonoras de novelas

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A guerra entre Globo e Record chegou à indústria fonográfica. Além de disputar audiência, as emissoras agora travam, nos bastidores, uma batalha por músicas para trilhas sonoras das novelas.
Márcio Antonucci, diretor musical da Record, acusa Mariozinho Rocha, que ocupa o posto na Globo, de ameaçar as gravadoras. "Ele faz pressão. Se o cantor cantar aqui, não entra lá. Se o autor compuser para cá, não entra lá. Os dependentes da Globo não cedem música para nós. Mas quem acha isso absurdo está conosco", afirma Antonucci, responsável por trilhas da Globo de 1980 a 91.
Avesso a entrevistas, Rocha aceitou falar à Folha para, segundo ele, evitar mal-entendidos. Ele diz que Antonucci, a quem substituiu na Globo, "é extremamente competente e sabe melhor do que ninguém que é impossível [as gravadores sofrerem pressões]". "É um absurdo. Quem sou eu para proibir? Isso não existe, nunca existiu nem poderá existir. Se um presidente de gravadora aceita uma interferência dessas, ele cai."
Mas Rocha reconhece que um artista que esteja na trilha de uma novela de outra emissora tem pouquíssimas chances de entrar, ao mesmo tempo, numa da Globo. "Vou evitar a repetição a todo custo porque é ruim para o público. Imagine se você liga um canal e ouve a Gal Costa e em outro também. Parece tudo igual. Mas acabou [a novela de outra emissora], tudo bem. Zera tudo", afirma.
Para mostrar que a regra tem exceção, ele diz que, mesmo sabendo que uma música de Ivan Lins estava sendo selecionada pela Record, procurou saber que outras opções do compositor teria para oferecer a Manoel Carlos, autor da próxima novela das 21h.
"Não interfiro em nada. A única coisa que peço [às gravadoras] é que me informem o que foi cedido à Record, para não repetir."

Chitãozinho e Xororó
Já Antonucci assegura que as principais gravadoras são pressionadas por Rocha. "Todas me disseram que há pressão dele, a EMI, Universal, Sony BMG e a Warner. Dessas, a única que tem negado tudo é a Universal. Fiz uns dez pedidos, como Diana Krall e Thelma Houston, e não autorizaram. Também pedi uma do Chitãozinho e Xororó e não deram porque o Mariozinho falou que eles não entrariam na Globo."
Rocha nega e diz que Chitãozinho e Xororó não têm entrado em trilhas da Globo por decisão da direção da emissora. Motivo: eles apresentaram um programa na Record, o "Raízes do Campo".
José Antonio Eboli, presidente da Universal Music, diz não se lembrar de ter recusado alguma música da dupla para a Record. Sobre os internacionais, garante que o problema é igual para todas as TVs. "Liberação gratuita é uma peculiaridade do Brasil. Pela situação da Globo, acabou acontecendo. Mas acabamos de negar várias para a Globo agora."
O discurso dos executivos das grandes gravadores é o mesmo: a Globo é prioridade porque tem mais audiência e está há mais tempo no ramo das novelas.
"A gente sabe o quanto as outras emissoras já tentaram fazer negócio nessa área e não deram certo", afirma Eboli. "É uma questão de mercado", diz Alexandre Schiavo, da Sony BMG.
"Nunca ouvi falar nisso [em pressões do Mariozinho]. É história da carochinha. Se tenho uma música de um artista em uma novela da Globo, não é ético dar esse mesmo artista pra uma novela da Record. E vice-versa", diz Marcos Maynard, presidente da EMI.
Até o nome de Chico Buarque, um dos mais requisitados nesse mercado, entrou na polêmica. "O Mariozinho não tem Chico Buarque lá de jeito nenhum e eu estou com a segunda novela com ele. Essa é uma postura do próprio Chico", diz o diretor da Record.
O da Globo, por sua vez, nega qualquer problema com Chico Buarque. "Estou para receber o disco novo dele. Posso sugerir uma música para a novela do Maneco [Manoel Carlos]."

Mercado
Embora as vendas de CDs tenham sofrido uma forte queda nos últimos anos, as trilhas de novelas da Globo, lançadas pela Som Livre, continuam vendendo bem.
Se correspondiam a 1,39% do mercado em 1997, hoje estão em 3,05%, tendo chegado em 2003 a 6,25%. "Laços de Família Internacional" (2000) e o CD duplo de "Mulheres Apaixonadas" (2003) passaram de 1 milhão de cópias, marca quase inatingível hoje.
"Em 2005, não teve nenhum sucesso criado por rádio. Os artistas novos surgiram pela TV, como Marjorie Estiano [de "Malhação", que vendeu 200 mil cópias do seu CD solo] e RBD [da novela "Rebelde", do SBT]", diz Maynard.
Dos 20 CDs mais vendidos em 2005, oito têm ligação com a TV aberta, como o de Xuxa e o primeiro lugar, a coletânea de Ana Carolina, em que 11 das 14 faixas foram temas de novelas.
"Para as gravadoras, é uma espécie de jabá ao contrário", diz Gustavo Ramos, diretor da Som Livre, referindo-se ao pagamento que as empresas fazem a rádios para que suas músicas toquem.
"Elas recebem royalties e ainda divulgam seus artistas", diz ele, reconhecendo que, para a Som Livre, é um ótimo negócio: lança CDs populares sem arcar com custos de contratos e produção.


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