São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007

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Confesso que não li

Escritores e leitores revelam à Folha seus livros "menos lidos"; no topo da lista, clássicos como "Ulisses" e o best seller "Quando Nietzsche Chorou"

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um best seller e até mesmo um clássico da literatura mundial podem fazer parte de uma lista nada prestigiosa: a dos títulos que são comprados, mas que não conseguem segurar os leitores até a página final.
Ao menos é o que apontou uma pesquisa feita na Inglaterra (leia ao lado), que listou títulos tão populares como "Harry Potter e o Cálice de Fogo", da escocesa J.K. Rowling, e "O Alquimista", do brasileiro Paulo Coelho, entre os dez livros que são menos lidos.
Inspirada pela pesquisa, a reportagem da Folha pediu a alguns escritores e leitores que freqüentam a Livraria Cultura, em São Paulo, que relatassem seus exemplos de livros "menos lidos". A lista apontou de clássicos de notória difícil digestão, como "Ulisses", de James Joyce, a best sellers como "Quando Nietzsche Chorou", em que Irvin D. Yalom criou uma trama envolvendo o filósofo alemão Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud.
O romance de Yalom está, por exemplo, na lista dos livros que a escritora Lya Luft começou, achou "chato" e não terminou: "Faço isso algumas vezes porque tenho pouca paciência para o que não me interesse ou seduza", justifica Luft. "Tendo traduzido uma grande biografia de Nietzsche, e conhecendo um pouco da vida e obra de Freud, detestei aquelas situações romanceadas."
Dono de uma biblioteca com 8.000 mil livros, o escritor Alberto Mussa compra até 20 livros por mês, mas não sofre tanto com sua condição de colecionador, que não dá conta do que está na estante. E sim com um quase trauma de infância. Mussa conta que, quando criança, era obrigado pelo pai a fazer resumos de livros, se fazia alguma "besteira". O castigo funcionou até que caiu em suas mãos "Guerra e Paz", clássico do escritor russo Tolstói.
"Tomei aversão ao livro. Comprei outra edição há dois anos e não consegui ler até hoje", confessa Mussa, que há cerca de um ano abandonou outro clássico: "Finnegans Wake", de Joyce. "Achei absurdo, um livro sem sentido, uma viagem que não tem nada a ver."
Joyce também é a pedra no sapato do escritor Daniel Galera, outro comprador compulsivo, que tenta manter a marca de um livro não lido em cada cinco que compra. Para Galera, "Ulisses" é uma "aventura" para a qual ele diz ainda não ter encontrado ocasião para encarar. O escritor assume ainda que nunca passou da centésima página de um livro de Gabriel García Márquez. E acredita que tudo depende do humor.
"Às vezes, reconheço que o livro é ou deve ser bom, mas não "desce" naquele momento. Noutras não precisa ler mais que 20 ou 50 páginas para saber que não merece o tempo investido. Nesse caso, largo e esqueço", diz Galera, citando "Os Cantos de Maldoror", de Lautréamont, que parou na página 50, "não por ser ruim, mas porque não era a hora."

Livro a metro
O jornalista e escritor Ivan Lessa, que abordou a pesquisa em sua coluna no site da BBC Brasil, conta que, das "levas de anos recentes", não acabou um único livro do escritor Salman Rushdie, nem os dois últimos de Martin Amis. E cita ainda seus "clássicos inacabados":
"Fiquei pelas bleubas ou li na diagonal, conforme se dizia, de Tolstói a Proust", diz o jornalista, ressaltando, porém, que nunca chegou "ao ridículo de decorar estante com livro", como confessaram 55% dos entrevistados da pesquisa inglesa.
"Claro que tem gente que compra livro a metro, para decorar. Nunca foi o meu caso. Meu problema é o contrário. Me desfazer do que tenho."
Para Fábio de Souza Andrade, colunista da Folha, a idéia da compra de livro "a metro", tão refutada por Lessa, teria suas vantagens. Ele lembra que nos anos 1970, a editora Abril vendeu clássicos em bancas de jornal. O resultado, diz ele, é que, provavelmente, o Brasil esteja entre os poucos países em que filósofos como Johann G. Fichte e Friedrich Schelling foram best sellers, na coleção "Os Pensadores".
"Quantos terão lido? Poucos, mas as traduções estão aí", diz. "Se o subproduto do esnobismo dos que cultivam as estantes por metro for um mercado livreiro mais ativo, o verniz intelectual terá servido a fim mais nobre", arremata.


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