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Confesso que não li
Escritores e leitores revelam
à Folha seus livros "menos lidos";
no topo da lista, clássicos como "Ulisses"
e o best seller "Quando Nietzsche Chorou"
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um best seller e até mesmo
um clássico da literatura mundial podem fazer parte de uma
lista nada prestigiosa: a dos títulos que são comprados, mas
que não conseguem segurar os
leitores até a página final.
Ao menos é o que apontou
uma pesquisa feita na Inglaterra (leia ao lado), que listou títulos tão populares como "Harry
Potter e o Cálice de Fogo", da
escocesa J.K. Rowling, e "O Alquimista", do brasileiro Paulo
Coelho, entre os dez livros que
são menos lidos.
Inspirada pela pesquisa, a reportagem da Folha pediu a alguns escritores e leitores que
freqüentam a Livraria Cultura,
em São Paulo, que relatassem
seus exemplos de livros "menos lidos". A lista apontou de
clássicos de notória difícil digestão, como "Ulisses", de James Joyce, a best sellers como
"Quando Nietzsche Chorou",
em que Irvin D. Yalom criou
uma trama envolvendo o filósofo alemão Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud.
O romance de Yalom está,
por exemplo, na lista dos livros
que a escritora Lya Luft começou, achou "chato" e não terminou: "Faço isso algumas vezes
porque tenho pouca paciência
para o que não me interesse ou
seduza", justifica Luft. "Tendo
traduzido uma grande biografia de Nietzsche, e conhecendo
um pouco da vida e obra de
Freud, detestei aquelas situações romanceadas."
Dono de uma biblioteca com
8.000 mil livros, o escritor Alberto Mussa compra até 20 livros por mês, mas não sofre
tanto com sua condição de colecionador, que não dá conta
do que está na estante. E sim
com um quase trauma de infância. Mussa conta que, quando criança, era obrigado pelo
pai a fazer resumos de livros, se
fazia alguma "besteira". O castigo funcionou até que caiu em
suas mãos "Guerra e Paz", clássico do escritor russo Tolstói.
"Tomei aversão ao livro.
Comprei outra edição há dois
anos e não consegui ler até hoje", confessa Mussa, que há cerca de um ano abandonou outro
clássico: "Finnegans Wake", de
Joyce. "Achei absurdo, um livro sem sentido, uma viagem
que não tem nada a ver."
Joyce também é a pedra no
sapato do escritor Daniel Galera, outro comprador compulsivo, que tenta manter a marca
de um livro não lido em cada
cinco que compra. Para Galera,
"Ulisses" é uma "aventura" para a qual ele diz ainda não ter
encontrado ocasião para encarar. O escritor assume ainda
que nunca passou da centésima página de um livro de Gabriel García Márquez. E acredita que tudo depende do humor.
"Às vezes, reconheço que o
livro é ou deve ser bom, mas
não "desce" naquele momento.
Noutras não precisa ler mais
que 20 ou 50 páginas para saber que não merece o tempo
investido. Nesse caso, largo e
esqueço", diz Galera, citando
"Os Cantos de Maldoror", de
Lautréamont, que parou na página 50, "não por ser ruim, mas
porque não era a hora."
Livro a metro
O jornalista e escritor Ivan
Lessa, que abordou a pesquisa
em sua coluna no site da BBC
Brasil, conta que, das "levas de
anos recentes", não acabou um
único livro do escritor Salman
Rushdie, nem os dois últimos
de Martin Amis. E cita ainda
seus "clássicos inacabados":
"Fiquei pelas bleubas ou li na
diagonal, conforme se dizia, de
Tolstói a Proust", diz o jornalista, ressaltando, porém, que
nunca chegou "ao ridículo de
decorar estante com livro", como confessaram 55% dos entrevistados da pesquisa inglesa.
"Claro que tem gente que
compra livro a metro, para decorar. Nunca foi o meu caso.
Meu problema é o contrário.
Me desfazer do que tenho."
Para Fábio de Souza Andrade, colunista da Folha, a idéia
da compra de livro "a metro",
tão refutada por Lessa, teria
suas vantagens. Ele lembra que
nos anos 1970, a editora Abril
vendeu clássicos em bancas de
jornal. O resultado, diz ele, é
que, provavelmente, o Brasil
esteja entre os poucos países
em que filósofos como Johann
G. Fichte e Friedrich Schelling
foram best sellers, na coleção
"Os Pensadores".
"Quantos terão lido? Poucos,
mas as traduções estão aí", diz.
"Se o subproduto do esnobismo dos que cultivam as estantes por metro for um mercado
livreiro mais ativo, o verniz intelectual terá servido a fim
mais nobre", arremata.
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