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ANÁLISE
Mostra de Warhol aponta esvaziamento de conteúdo
Exposição com obras do artista americano, um dos principais de nossa época, revela "espécie de terror" de um mundo que pode ser convertido em mercadoria
PAULO PASTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Visitar a exposição de Andy
Warhol na Estação Pinacoteca
me fez pensar muito na assim
chamada pintura metafísica
italiana. Na grande maioria dos
trabalhos ali expostos, encontra-se, como na referida pintura, uma sugestão de tempo parado, de estranhamento, como
se houvesse sido retirada do
mundo parte da sua natureza
vital. Não se trata propriamente de nenhuma novidade. É conhecido o fato de De Chirico
ser um dos pintores preferidos
de Warhol. Claro, existem diferenças enormes entre a escola
metafísica e o pop genuíno do
artista americano.
Por exemplo, o universo de
De Chirico ainda é assombrado
pelo peso simbólico da herança
cultural das civilizações. Já a
arte de Warhol, como se sabe,
gostaria de dar ao museu o
mesmo status de uma loja de
departamentos.
Tornar a temporalidade evidente é uma das qualidades da
escola metafísica. Ao assistir ao
filme "Empire", no qual Warhol filma um conhecido edifício
nova-iorquino e faz coincidirem o tempo do filme e o tempo
real, a impressão é a de que o artista, além de sofrer sua influência, ampliou e atualizou o
alcance daquele movimento.
Nesse filme, existe apenas essa
fruição. A certa altura da projeção, nos perguntamos sobre o
que estamos vendo. E então entendemos que, enquanto espectadores, estamos, na verdade, nos observando como sujeitos mergulhados no tempo.
Tais estratégias se encontram presentes na exposição
das mais variadas maneiras.
Um dos recursos mais caros a
Warhol seria justamente este: o
do esvaziamento dos conteúdos -pela repetição ou pelo
apelo à impessoalidade das fotografias-, para recolocar a
pergunta sobre a real natureza
deles. Somos, assim, sempre
tentados a nos perguntar pela
existência do oposto da superficialidade posta ali.
Escrevendo sobre o movimento metafísico italiano, Giulio C. Argan alude ao fato de o
cubismo possuir um "tempo de
vida". Mas ressalva que a grande novidade, depois das descobertas de Picasso e Braque, ficava por conta da contraposição do "tempo de morte", da
pintura de De Chirico.
Partindo dessa relação, uma
outra associação poderia também ser feita entre o expressionismo abstrato americano dos
anos 50 e alguns trabalhos da
escola pop. Penso que poucas
pinturas sugerem mais a ideia
de vida do que as de Pollock,
por exemplo. Se existe morte
nelas, essa sugestão nasceria
justamente do ímpeto de estar
plenamente vivo.
Morte
O caso oposto ocorre com o
pop de Andy Warhol: de todos
os seus trabalhos exala um bafio de morte. A criação é detonada somente quando ele se
manifesta. Seriam muitos os
exemplos. As pinturas com as
imagens de Marilyn Monroe e
Jacqueline Kennedy são realizadas quando a primeira acabara de morrer e a segunda perdera, em um atentado, seu famoso
marido (que também fez parte
do repertório do artista).
Cadeiras elétricas, acidentes
de carro, suicídios: esses temas
são todos expostos ao lado de
outros banais, como as conhecidas latas de sopa Campbell. E
tudo feito por meio da fotografia, que ele serigrafava e na qual
aplicava tinta à base de polímero sintético.
Aliás, o próprio uso predominante da fotografia como linguagem nos levaria à percepção
de um mundo congelado, já
também esvaziado e convertido em pura imagem. Algo como
um "ready-made" do mundo.
Uma espécie de náusea começa
a nascer a partir dessa constatação: tudo se repete e se esvazia, tudo se iguala, tudo é imagem e superfície.
Aquela vontade de livrar a arte de subjetivismos, que existiu
em boa parcela da modernidade, ganha em Warhol uma inflexão particular, na medida em
que ele o faz por meio do uso
das imagens, de uma figuração,
e não mais da abstração. E essa
imagem -que parece nascer do
seu próprio esvaziamento- faz
repercutir e amplificar-se cada
vez mais este último. Esta parece ser também a única verdade
no universo glamouroso dos astros e estrelas ali retratados. O
mundo pode ser convertido em
pura mercadoria, e uma espécie de terror nasce daí.
Nessa operação, ao ser capaz
de revelar isso, coerentemente
com a linguagem empregada,
onde "o que" e "o como" não se
separariam, Warhol torna-se
um dos principais artistas da
nossa época. Dizia querer ser
como uma máquina, e parece
que, nessa sua declaração, para
além do seu sarcasmo, existe
uma vontade de tornar sua vida
tão esvaziada como a das suas
imagens. Algo como "tal vida
tal obra", diferentemente do
"uma vida para uma obra".
Para o crítico David Silvester,
o que existe de magnífico na câmera fotográfica de Warhol é
que ela é descerebrada e não organiza aquilo que registra: não
o explica nem limita. Penso que
o uso da cor por Warhol obedece a um sistema parecido. Suas
cores, como as de Matisse, possuem autonomia e não expressam mais uma essência. Mas as
semelhanças, acredito, param
por aí. Podemos falar de otimismo e alegria em Matisse. É possível afirmar o mesmo das pinturas de Warhol?
PAULO PASTA é pintor, desenhista e professor.
ANDY WARHOL, MR. AMÉRICA
Quando: ter. a dom. das 10h às 17h30.
Até 23 de maio
Onde: Estação Pinacoteca (lgo. General
Osório, 66, tel. 0/xx/11/3335-4990)
Quanto: R$ 6 (grátis aos sábados)
Classificação: Não recomendado para
menores de 16 anos
Texto Anterior: Carlos Heitor Cony Índice
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