São Paulo, sábado, 02 de abril de 2011

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"Jornalista não está lá para ajudar", diz Janet Malcolm

Espécie de código de ética da entrevista, "O Jornalista e o Assassino" é relançado no Brasil em versão de bolso

Em entrevista à Folha, escritora comparou o jornalismo à psicanálise, no que diz respeito à confissão

ROBERTO KAZ
DE SÃO PAULO

A Companhia das Letras lança uma versão de bolso do livro "O Jornalista e o Assassino", da jornalista Janet Malcolm, 76, colaboradora frequente da revista norte-americana "New Yorker".
Publicado pela primeira vez no Brasil em 1990, o livro, que analisa a relação profissional do jornalista Joe McGinniss com o presidiário Jeffrey MacDonald, se tornou uma espécie de código de ética da dinâmica entre entrevistador e entrevistado.
Janet começou a apurar a história em 1987, quando recebeu uma carta do advogado de McGinniss. Em tom de revolta, a missiva relatava que o cliente acabava de ser processado por MacDonald -condenado pelo assassinato da mulher e duas filhas- justamente por ter escrito o livro "Fatal Vision" (visão fatal), acusando-o de ter matado a mulher e duas filhas.
"Pela primeira vez permitiu-se que um entrevistado descontente processasse um escritor com base em premissas que tornam irrelevantes a verdade ou a falsidade do que foi publicado", dizia o texto. O problema era que, nos quatro anos em que travou contato com o presidiário para o livro, McGinniss enviou a ele 40 cartas dizendo crer em sua inocência.
"Diabo, Jeff, uma das piores coisas nisso tudo foi a maneira como, súbita e totalmente, todos os seus amigos -inclusive eu- fomos privados do prazer de sua companhia. Em que porra aquele pessoal [do júri] estava pensando [ao condená-lo]?"
Janet definiu o conjunto de cartas como "um registro escrito de sua má-fé". McGinniss, que tentou se defender alegando "compromisso com a verdade dos fatos", assinou um acordo extrajudicial, comprometendo-se a ressarcir MacDonald em US$ 325 mil (R$ 530 mil) por danos morais. Encarcerado até hoje, ele continua alegando inocência.
"O Jornalista e o Assassino" tornou-se um estudo emblemático sobre a dinâmica do jornalismo, em que repórteres seduzem entrevistados e estes seduzem aqueles, sempre renegando as reais intenções a segundo plano.
A partir do processo de MacDonald contra McGinniss, Janet Malcolm teorizou o ofício em frases como "o jornalista tem que fazer seu trabalho em um estado de anarquia moral" e "o escritor que vem tende apenas a piorar as coisas".
A nova versão tem posfácio assinado por Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha. Janet Malcolm cedeu a entrevista por telefone, não sem antes fazer um pedido: "Pode me enviar uma cópia do texto quando publicado? Quero saber se fui traída."

 


Folha - Em "O Jornalista e o Assassino", você diz que, frente a um repórter, "em nenhum caso o entrevistado consegue salvar-se". Por que você aceitou dar entrevista?
Janet Malcolm -
Normalmente aceito quando lanço livros. Além disso, gosto de me sentir do outro lado. Como entrevistada, entendi o poder que as perguntas têm. Você se sente na obrigação de respondê-las, como uma criança indagada pela mãe. É uma regressão à infância.

O livro diz que o jornalista apura com ar de "mãe permissiva" e escreve com a dureza de um "pai severo,". Continua permissiva e maternal após "O Jornalista..."?
Talvez tenha me tornado mais paternal na apuração. Tento ser o mais direta possível. O jornalista não precisa ser tão amigável. As pessoas estão interessadas em contar suas histórias, independente da atitude de quem ouve. Mas tenho algo a meu favor: meu livro é uma espécie de "Miranda Warning" [aviso de Miranda: a lista de direitos que um policial, nos EUA, é obrigado a dizer a um suspeito quando o prende]. Por causa dele, as pessoas sabem o que esperar quando são entrevistadas por mim, que o tudo o que disserem poderá ser usado contra elas.

Você sabe qual foi a reação dos dois principais personagens depois da publicação?
Joe McGinniss não gostou. Após a publicação, nunca mais nos falamos. MacDonald também não gostou, porque eu descrevia as cartas dele como entediantes. São detalhes como esse que geram as principais mágoas.

Vocês mantiveram contato? Mantive contato com o MacDonald por alguns anos. Não sei se ele é culpado, mas concordo com o argumento de que não teve um julgamento justo. Se houvesse admitido a culpa, já estaria livre, em condicional, mas ele se recusa. Passados 30 anos, continua preso. Se de fato for inocente, a história é terrível.

Você diz que o encontro com o jornalista "parece ter, sobre o indivíduo, o mesmo efeito regressivo que a psicanálise". As profissões são parecidas? <
Sim, no tocante ao elemento da confissão. A diferença é que as pessoas vão ao analista procurando ajuda e pagam por isso. O jornalista, como não recebe nada, não está lá para ajudar.

O JORNALISTA E O ASSASSINO

AUTOR Janet Malcolm
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Tomás Rosa Bueno
QUANTO R$ 21 (176 págs.)


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