São Paulo, quarta-feira, 02 de maio de 2001

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A quadrilha na mira das câmeras

Comando Vermelho

Origem da facção criminosa servirá para filme de Breno Silveira, com roteiro do escritor Paulo Lins

CRISTIAN KLEIN
DA SUCURSAL DO RIO

A Conspiração Filmes está preparando um filme que terá como pano de fundo as origens do Comando Vermelho -a mais antiga e principal facção do crime organizado do Rio. A trama central vai narrar a vida de um morador de favela, Dé, da sua infância até o momento em que vira um dos líderes do comando e inicia um romance com uma jornalista de classe média.
"A História de Dé" será a estréia na direção de Breno Silveira, 37, um dos sócios da Conspiração. A idéia do longa surgiu durante seu trabalho como assistente do documentarista Eduardo Coutinho, no filme "Santa Marta: Duas Semanas no Morro" (1987).
Foi naquela ocasião, ali no morro Dona Marta, em Botafogo, zona sul da cidade, que Breno Silveira conheceu um menino de 12 anos que ajudava a carregar os equipamentos da produção do documentário e depois se transformaria no Marcinho VP, um dos líderes do Comando Vermelho e que está atualmente preso em Bangu 1.
"Aquela foi uma experiência que me marcou muito. Eu me lembro de um depoimento bonito do Marcinho VP, em que ele afirmava que gostaria de ser advogado, mas que a vida, com certeza, não iria deixar", conta Breno Silveira.
Marcinho VP é o traficante que ganhou notoriedade no ano passado, quando o documentarista João Moreira Salles revelou que, durante quatro meses, lhe pagou uma mesada para que escrevesse um livro e deixasse o crime.
Para contar sua história ficcional, Silveira já havia encomendado diversos roteiros até que encontrou uma pessoa que "falasse de dentro": o escritor Paulo Lins, 42, que morou em favelas e é autor do livro "Cidade de Deus", lançado em 1997.
Paulo Lins entrevistou bandidos e ambientou o roteiro no final dos anos 70 e início dos 80, quando surge o Comando Vermelho, no presídio da Ilha Grande. Foi ali que presos comuns aprenderam técnicas de guerrilha e organização ao entrar em contato com presos políticos do regime militar.
Os presos políticos ficavam na galeria B, isolada do resto do presídio. Para o local eram levados os assaltantes de bancos, também enquadrados na LSN (Lei de Segurança Nacional).
"O regime militar não queria isolar completamente os presos políticos para não tornar evidente que existia uma luta armada no país. Tratava todos como terroristas", diz Paulo Lins. A galeria B, com sua mistura de presos comuns e políticos, foi o berço da Falange Vermelha, que depois de transformaria no Comando Vermelho.
"A Falange Vermelha, quando surgiu, não era voltada para a obtenção de lucros. Ela queria lutar contra os estupros, os roubos e os maus-tratos que ocorriam na cadeia. A falange queria acabar com o crime no morro e fazer coisas sérias -não isso que está aí hoje", afirma Lins. Conforme os líderes mais politizados foram morrendo, a falange foi ficando cada vez mais violenta.
Paulo Lins posiciona o personagem Dé como um integrante da facção original. Ele é um bandido que tem preocupações sociais e faz um trabalho comunitário no morro, chamando a atenção de uma jornalista da classe média, filha do secretário estadual de Segurança.
O caso lembra muito o romance ocorrido nos anos 80 entre Maria de Paula Amaral, filha do ex-vice-governador do Estado do Rio Francisco Amaral, e o bandido "Meio-Quilo". Paulo Lins, porém, conta que o roteiro não se apega a fatos ou personagens reais. "É uma história que não aconteceu, mas poderia ter acontecido", diz.

Personagens sem chance
Breno Silveira afirma que o filme é a história dos personagens que não tiveram chance. Ele pretende iniciar e terminar o longa-metragem lembrando o episódio do ônibus 174, quando um sobrevivente da chacina da Candelária, Sandro do Nascimento, 23, fez várias mulheres de reféns num ônibus que passava pelo Jardim Botânico, zona sul do Rio.
As imagens da tensa negociação foram transmitidas ao vivo pela televisão, tendo como desfecho a morte da professora Geísa Gonçalves, no momento em que o sequestrador já estava se entregando. Sandro, levado num camburão, foi morto por asfixia. Cinco policiais militares respondem a um processo sob a acusação de homicídio.
"Eu gostaria que a sociedade revisse esse caso e, depois de ver a história de Dé, torcesse para o bandido sair daquele ônibus. Queria mostrar o que foi a vida daquele cara até ele chegar e apontar a arma para a cabeça daquela menina. É um assunto muito difícil de julgar, e a sociedade pedia que ele morresse", diz Breno Silveira, que pretende começar a filmar em um ano e meio.


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