São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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COMENTÁRIO

Maria Clara cinta-larga faz justiça com as próprias mãos

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

Maria Clara trancafiou-se com Laura no banheiro e desferiu 30 sopapos na bandida, numa espécie de encenação sadomasô perfumada da justiça com as próprias mãos. Catarse geral.
Façamos um paralelismo esquemático entre crime e castigo na novela e na vida real. O fio condutor da novela é o embate entre o mal e o bem. Quando o mal se apodera da situação, todos sabem que, mais dia, menos dia, ele será punido. O mal em "Celebridade" é Laura. A fofa, encarnada por uma inspirada Cláudia Abreu, é a síntese do que há de ruim. Estava marcada para ser punida -e milhões aguardavam por isso, destilando diariamente rios de ódio contra a malvada.
Na vida real brasileira, porém, a inevitabilidade da punição pode ser um princípio, uma idéia, um desejo, mas não uma garantia, posto que o mal cada vez mais passeia por aí impunemente.
Em qualquer caso, no folhetim ou no drama real, a punição é o resultado de um processo, cheio de mediações. É preciso tempo para que ele se cumpra. Na realidade, o castigo é precedido de investigação, prisão, julgamento. Na novela, de um enredo rocambólico, que costuma reservar para o final a grande vingança.
Acontece que o país está muito impaciente para esperar processos. Há uma sede de vingança no ar. As pessoas querem ir direto ao assunto. A sociedade, cansada de violência e corrupção, está pronta para linchar. Quer malhar o Judas. Assumir a porção cinta-larga.
E foi esse desejo coletivo que "Celebridade" contemplou. Poupou o público de uma espera dilacerante. Antecipou a punição. O bem, representado por Maria Clara, estava bonzinho demais. Assim não dá. Não somos otários. Então, vamos lá: porrada na sem-vergonha sem processo ou mediação. De alma lavada, restou no dia seguinte uma ponta de culpa. Maria Clara duvidou se havia feito o certo. Deixou a coitada com cara de vampiro, sem dente, numa maquiagem cômica, que ajudou a aliviar a cena (toda ela caricata e ruim) de um realismo que poderia ter sido ainda pior.
A culpa não durou muito. A amiguinha aprovou -e com ela o público. Maria Clara é do bem, mas não é trouxa. Fez o que se pedia. Justiça já. Direta. Com as próprias mãos.


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