São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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COMENTÁRIO

Peça é o "Hair" dos anos 90

GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Vou deixar bem claro desde o inicio que quem escreve não é fã do estilo "real-socialista" de Tony Kushner e, muito menos, de como esse blablablá superpremiado acaba encenado no palco.
Isso porque Kushner vem de uma longa linhagem de dramaturgos que trabalham a "fantasia realista". Mas muitos dos seus precedentes, como Howard Brenton ou Edward Bond, por exemplo, são muito mais explícitos e atingem seus alvos com mais precisão. Kushner foi um passo além, com "Angels in America", em 1993, criando a "fantasia gay". Mas, mesmo assim, quando assisti a parte da produção na época, entrei frio e sai gelado.
Contudo não há como contestar que a odisséia de sete horas, dividas em duas partes -a primeira chamava-se "The Millenium Approaches", e a segunda, "Perestroika"-, foi um sucesso fenomenal.
Talvez isso diga algo sobre o público americano, sobre sua falta de informação, sobre sua falta de formação. Confesso que quando fui (tentar) ver ambas as partes, sai desgostoso de tão medíocre que achei a encenação e, principalmente, o conteúdo, o texto, o material dramático.
E eu perguntava em volta. Por que tanto "fuss"? Por que essa peça está sendo tão comentada? Justamente. Tony Kushner conseguiu trespassar barreiras que poucos (nem David Mamet na época) haviam conseguido: a barreira da burguesia, a barreira da platéia que lota os teatros da Broadway com interioranos e famílias "clean" de New Jersey, os chamados "bridge and tunnel people".
Nesse sentido, a vitória de "Angels in America" foi enorme, fenomenal e quase didática. Ela equivale talvez ao "Hair" dos anos 90, levando um assunto tabu (a Aids) aos palcos da Broadway e revelando figuras como Roy Cohn, um judeu famoso por ter sido um tirano especialista em assuntos militares da era macarthista (ele era gay e acabou morrendo de Aids).
Kushner não abriu nenhum novo capitulo como dramaturgo. Na verdade, ele é o Elton John da dramaturgia moderna.
Mas "Angels in America" certamente quebrou recordes porque ninguém esperava que os palcos da Broadway se prestassem a assuntos tão profundos.
O espetáculo já virou, nesse meio tempo, uma megaprodução de cinema feita pela HBO e dirigida pelo celebradíssimo Mike Nichols. Além disso, diversos países tiveram suas próprias versões de "Angels in America". Era para Tony Kushner -que ganhou vários prêmios Tony, o melhor da Broadway, além de receber o Pulitzer- ser uma arrogante celebridade de óculos escuros e chapéu enfiado na cabeça. Mas não é. É simpaticíssimo e fala com todo mundo.
Sua recente produção, "Caroline, or Change", acaba de se mudar de uma sala pequena do Public Theater -dirigida por George Wolfe, diretor artístico desse teatro em processo de demissão- para a Broadway com enorme sucesso.
Ainda não a assisti e duvido que vá perder meu tempo indo lá. Mas, à distância, mantenho o meu respeito.


Gerald Thomas é diretor de teatro


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