São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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CRÍTICA

O modo fantástico de fazer jornalismo

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Para quem foi adolescente nos anos 70, a música-tema do "Fantástico" era um signo da depressão dominical.
O começo do programa marcava o término inexorável do fim de semana, a iminência da segunda-feira e, mais, o fato de que todas as esperanças de iluminação e de descobertas incríveis tinham ido por água abaixo.
Em vez de ter conseguido transformar radicalmente sua vida naquela semana e, sobretudo, naquele sábado e domingo, esperança secreta de 11 entre dez adolescentes, só restava a modorra, ver o tal do show da vida pela tela da TV.
O "Fantástico" parece ser uma espécie de Coca-Cola da programação de TV -a fórmula, a um tempo intragável e absolutamente bem-sucedida, pouco mudou nos mais de 30 anos que está no ar (o programa estreou em 5 de agosto de 1973).
Modernizam-se as roupas dos apresentadores, introduz-se aqui e ali toques futuristas -agora há até uma prima mais jovem de Max Headroom, a apresentadora virtual Nica Shelley-, mas o espírito continua o mesmo.
Tudo, no "Fantástico", tem o mesmo peso -a reportagem tem apresentação dramatizada, o documentário da TV estrangeira é picotado à vontade, a ficção "alivia" o momento-denúncia, o humor se segue ao futebol. E isso só para ficar nos formatos, pois o conteúdo segue regras ainda mais homogeneizadoras.
O obscurantismo anda de mãos dadas com a informação científica e tecnológica, a política se dá numa espécie de teatro distante, as "polêmicas" inventadas pela novela têm o mesmo lugar e importância que os comportamentos que surgem de fato na sociedade e assim por diante.

Memória
Evidentemente, tomadas individualmente, o "Fantástico", de fato, já produziu reportagens interessantes, trouxe imagens impactantes, fez um trabalho de registro de personagens da história recente do Brasil que tem valor jornalístico e histórico inegável. No recém-lançado DVD "Grandes Reportagens", parte (boa parte, os dois DVDs somam mais de sete horas) dessa trajetória está recuperada e, de fato, vale a pena ver de novo, sobretudo num país em que há tão pouca memória audiovisual disponível.
A fórmula está tão entranhada no imaginário brasileiro que a revista dominical eletrônica da Record, "Domingo Espetacular", tem tudo para se transformar na Pepsi Cola da programação de TV. É igual na concepção, ligeiramente diferente na execução.
Em tudo é um pouco mais precária -tem menos recursos para produzir material original, menos dinheiro para comprar bons programas e documentários internacionais-, mas ao mesmo tempo oferece um cardápio muito semelhante de emoções. Um golzinho aqui, uma denuncinha ali, algum maluco arriscando a vida numa corredeira e assim se dissipa o domingo.


@ - biabramo.tv@uol.com.br


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