São Paulo, sábado, 02 de maio de 2009

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LIVROS

Crítica/"Zazie no Metrô"

Francês reinventa linguagem em aventura "mal-comportada"

"Zazie no Metrô", de Raymond Queneau, exibe jornada de criança por Paris

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Ela não caça pipas no Afeganistão nem enfrenta feitiçarias do mal na forma de garoto bruxo na Inglaterra. Ao contrário das crianças-modelo da "literatura" contemporânea, Zazie é, para começo de conversa, uma menina mal-comportada. Da sua boca saltam xingamentos a cada dupla de páginas e ela é desobediente, fujona e só quer saber de uma coisa quando chega a Paris para ficar com um tio: descer aos subterrâneos.
É nessa descida (ou desejo de) que se concentra "Zazie no Metrô", romance-labirinto-poção mágica publicado pelo escritor francês Raymond Queneau em 1959, adaptado por Louis Malle para o cinema no ano seguinte e cuja retradução para o português por Paulo Werneck acaba de ser lançada pela Cosac Naify.

Vanguardas
Queneau trafegou em círculos vanguardistas desde os anos 20, quando passou a frequentar o grupo surrealista, do qual assimilou o espírito de ruptura criativa e de provocação em sua obra. No fim dos anos 40, seus "Exercícios de Estilo", nos quais reinventava um pequeno relato uma centena de vezes e demonstrava que em sua concepção a produção literária era sinônimo de testar limites, fizeram repercutir sua assinatura.
No fim da década seguinte, "Zazie no Metrô" tornou-se um enorme sucesso de vendas e desmentiu as teses de resistência do leitor comum a romances de invenção de linguagem. Entre os antepassados mais evidentes deste romance estão o "Ulisses" de James Joyce e os dois "Alice" de Lewis Carroll.
Do primeiro, Queneau absorveu a inventividade linguística, promovendo uma ruptura de hierarquia entre texto e fala por meio da absorção, na escrita, de sonoridades da linguagem oral.
É o que faz proliferar em "Zazie no Metrô" palavras-sons tais como "djins", "rambrãs", "Sãgermãdeprê", que se seguem ao "Doukipundonktan" que abre o relato (deliciosamente convertido num "dondekevemtantofedô" na tradução de Paulo Werneck). Em Carroll, o escritor francês foi buscar a epopeia infantil por mundos em que a lógica é posta em suspenso, em que uma criança vagueia sem o controle de adultos e lá encontra uma sucessão de tipos extravagantes e fora da ordem. Sem esquecer que foi também um usuário compulsivo de palavras-valise, as duplicações (ou triplicações) de sentido que Queneau também promove em expressões como "hormossecsual" ou "rapturista".
Porém, é mais nos deslocamentos que nas fusões (ou nas confusões) que o escritor produziu novidade. Se há um típico desrespeito às normas da linguagem na escrita, há ainda mais uma desconcertante presença de tipos humanos "inadequados" em torno da criança Zazie: travestis, pedófilos, ninfomaníacas.
E há, sobretudo, a inversão da cidade. Ao contrário do que seu título anuncia, o sonhado passeio de Zazie pelo metrô não acontece em razão de uma greve dos "funcionários de alicates perfurantes". É na superfície, portanto, que Zazie vai se aventurar, se perder, ser encontrada. Sem precisar andar de metrô para conhecer os subterrâneos da cidade, Zazie a percorre como se descascasse uma cebola, descobrindo sob cada camada que nada é o que parece.


ZAZIE NO METRÔ

Autor: Raymond Queneau
Tradução: Paulo Werneck
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 45 (192 págs.)
Avaliação: ótimo




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