São Paulo, sábado, 02 de junho de 2001

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"INTÉRPRETE DE MALES"

Jhumpa Lahiri faz sua estréia com livro de contos e maturidade

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

É admirável estrear na literatura com um conjunto de contos como os de Jhumpa Lahiri, e não apenas porque "Intérprete de Males" recebeu o Prêmio Pulitzer ano passado. A potência, a fluidez e a correção de seu texto sugerem adjetivos como maturidade e consistência, ambos muito pesados para a matéria fina e delicada da obra. Mais do que maturidade, a escritora maneja suas narrativas com algo que se poderia chamar de sabedoria.
Os personagens dos nove contos de "Intérprete de Males", quase todos em situações transplantadas, estão o tempo todo de olhos bem abertos: Lahiri lida com a curiosidade e a observação do outro no estado mais puro.
A agudeza dos olhares que guiam o leitor por suas narrativas, além de uma saudável e divertida tolerância com as esquisitices do comportamento humano -presente nos diálogos e descrições-, parecem funcionar como um antídoto poderoso para que o livro de Lahiri escape ao ramerrão da literatura de minoria, que, via de regra, serve mais como espelho invertido da literatura masculina-branca-ocidental do que de fato é capaz de criar dissonâncias.
E olha que a escritora teria motivos de sobra para praticar esse tipo de proselitismo: ela é jovem -tem 33 anos-, mulher e de ascendência indiana.
Em vez de conversão, Lahiri prefere praticar uma espécie de educação sentimental contemporânea, bastante complicada pelos trânsitos culturais da experiência da imigração, e na qual a generosidade e todas as formas de empatia trabalham como mestras. Dos nove contos, seis contam a história de imigrantes indianos na região de Boston e um, o que dá título ao livro, de descendentes de indianos já americanizados em visita à Índia.
"Intérprete de Males", o conto, parodiaria o clássico "Passagem para Índia" (E.M. Foster), caso a escritora fosse um pouco mais capaz de sarcasmo, coisa que ela certamente não é (e isso não é um problema). Em vez disso, a atmosfera de atração sexual súbita e confusa em um cenário "exótico" -macacos, templos, calor- torna-se pretexto para uma eficiente e elegante lição de amor. Há outra dessas em "Sexy", mais difícil e mais sutil, onde uma jovem mulher aprende a distinguir amor de sexo, sem ter que renunciar a nenhum dos dois.
"Uma Durwan de Verdade" e "O Tratamento de Bibi Haldar" tratam de personagens indianas na Índia, mas talvez por isso mesmo deslizem para uma atmosfera mais fabular, mais estrangeira em todos os sentidos, com resultados bem menos interessantes.
A temática da imigração conduz os três mais bem acabados contos do volume, "Quando o Sr. Pirzada Vinha Jantar", "A Casa da Sra. Sen" e "O Terceiro e Último Continente".
Nos dois primeiros, os constrangimentos, as estranhezas, as saudades dos imigrantes estão nos detalhes observados por crianças, mas justamente por isso não traem nenhum sentimentalismo, e sim, mais uma vez, a enorme, ilimitada e (às vezes) generosa curiosidade de que são capazes os muito jovens. No conto que encerra o volume e relata o percurso migratório por três continentes de um professor universitário é uma mulher centenária, nascida no século 19, que abre ao professor a possibilidade de refazer sua vida em mais um lugar.
A sabedoria evocada lá em cima corre por conta da enorme sensatez com que Lahiri trata seus personagens. Isso e o fato de a escritora ser completamente avessa a efeitos e adepta de uma economia de adjetivos e a uma concisão descritiva, que parecem aprendidas com Raymond Carver, fazem de Jhumpa Lahiri uma escritora a se prestar bastante atenção daqui por diante.

Intérprete de Males
Interpreter of Maladies
     Autora: Jhumpa Lahiri
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 25 (224 págs)



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