São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2005

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Brasil foi exílio na época da ditadura

DA REPORTAGEM LOCAL

Do período em que viveu no Brasil, o artista argentino León Ferrari guarda a memória de um dilema: "Voltar ou não?".
A ditadura (1976-1983) havia chegado ao fim em seu país, e a possibilidade do regresso se abriu para quem tinha sido empurrado para fora, por suas idéias ou atividades consideradas subversivas e passíveis de perseguição pelo regime militar.
Ferrari voltou. Mas sua família já não seria a mesma. Um de seus filhos decidiu ficar no Brasil "e hoje é professor titular na USP", conta o artista, orgulhoso também das netas brasileiro-argentinas, cujas fotos se revezam na tela de seu computador.
Há um outro filho que o pai nunca reencontrou. Está entre os 30 mil desaparecidos durante a ditadura argentina.
Hoje, Ferrari diz que se sente "confortável com o país". Reinstalado em Buenos Aires, ocupa, com a mulher, um apartamento no centro da cidade.
Foi lá que ele recebeu a Folha, na semana seguinte à abertura de sua retrospectiva no Centro Cultural Recoleta. Pediu que a conversa fosse em português. Confessou sentir saudades do idioma e uma pitada de constrangimento por não dominá-lo tão bem quanto acha que deveria.

Política
Durante a entrevista, Ferrari disse não acreditar "que toda arte seja política". Avalia que "algumas obras têm esta intenção [de interferir politicamente], outras não têm intenção nenhuma".
Falava de modo geral. No seu caso particular, revela que algumas de suas criações têm, sim, a intenção de comunicar uma mensagem específica sobre a realidade do momento em que foram feitas.
Nestas circunstâncias, "se o espectador não entende o que a obra quer dizer, ela se derrete". Com a passagem do tempo, "as obras mudam", diz.
No prédio em que Ferrari vive e concebe suas obras, a vizinhança faz troça da fama anticristã do artista. O apartamento de Ferrari é chamado de "cova do demônio" pela juventude local.
Nada que possa afetar o seu humor. "Cerca de 65% dos norte-americanos acreditam no diabo", diz, citando uma enquete. "Alguns dizem que o viram. Eu gostaria de pedir a eles um retrato falado, porque adoraria fazer algo com este personagem, que me parece mais interessante do que o terrível Deus ocidental." (SA)


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