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Brasil foi exílio na época da ditadura
DA REPORTAGEM LOCAL
Do período em que viveu no
Brasil, o artista argentino León
Ferrari guarda a memória de um
dilema: "Voltar ou não?".
A ditadura (1976-1983) havia
chegado ao fim em seu país, e a
possibilidade do regresso se abriu
para quem tinha sido empurrado
para fora, por suas idéias ou atividades consideradas subversivas e
passíveis de perseguição pelo regime militar.
Ferrari voltou. Mas sua família
já não seria a mesma. Um de seus
filhos decidiu ficar no Brasil "e
hoje é professor titular na USP",
conta o artista, orgulhoso também das netas brasileiro-argentinas, cujas fotos se revezam na tela
de seu computador.
Há um outro filho que o pai
nunca reencontrou. Está entre os
30 mil desaparecidos durante a
ditadura argentina.
Hoje, Ferrari diz que se sente
"confortável com o país". Reinstalado em Buenos Aires, ocupa,
com a mulher, um apartamento
no centro da cidade.
Foi lá que ele recebeu a Folha,
na semana seguinte à abertura de
sua retrospectiva no Centro Cultural Recoleta. Pediu que a conversa fosse em português. Confessou sentir saudades do idioma e
uma pitada de constrangimento
por não dominá-lo tão bem quanto acha que deveria.
Política
Durante a entrevista, Ferrari
disse não acreditar "que toda arte
seja política". Avalia que "algumas obras têm esta intenção [de
interferir politicamente], outras
não têm intenção nenhuma".
Falava de modo geral. No seu
caso particular, revela que algumas de suas criações têm, sim, a
intenção de comunicar uma mensagem específica sobre a realidade
do momento em que foram feitas.
Nestas circunstâncias, "se o espectador não entende o que a
obra quer dizer, ela se derrete".
Com a passagem do tempo, "as
obras mudam", diz.
No prédio em que Ferrari vive e
concebe suas obras, a vizinhança
faz troça da fama anticristã do artista. O apartamento de Ferrari é
chamado de "cova do demônio"
pela juventude local.
Nada que possa afetar o seu humor. "Cerca de 65% dos norte-americanos acreditam no diabo",
diz, citando uma enquete. "Alguns dizem que o viram. Eu gostaria de pedir a eles um retrato falado, porque adoraria fazer algo
com este personagem, que me parece mais interessante do que o
terrível Deus ocidental."
(SA)
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