|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA
Romance "O Fotógrafo", do autor catarinense, é eleito pela ABL; escritor receberá R$ 36 mil em cerimônia
Premiado, Cristóvão Tezza divide-se entre ensaio e ficção
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um fotógrafo que divaga num
quarto escuro e antecipa a frustração enquanto aguarda ansiosamente a revelação das poses de
uma bela garota: "Quando revelei
a última fotografia que, de fato,
era a imagem sonhada?". Durante
quase dois anos, Cristóvão Tezza
foi esse homem da escuridão, a
empenhar-se na construção daquela realidade particular e a esperar o resultado do que viria a
ser seu mais recente romance.
Se o resultado se assemelhou à
expectativa inicial? Não, se transformou inúmeras vezes, mas talvez isso não seja importante: o fato é que "O Fotógrafo" (Rocco) foi
escolhido pela Academia Brasileira de Letras, na última segunda-feira, o melhor livro brasileiro de
ficção de 2004, e receberá um prêmio no valor de R$ 36 mil em cerimônia no dia 20 de julho, no Salão
Nobre da própria ABL. Na mesma cerimônia, autores de outros
gêneros, como Ferreira Gullar e
Mario Chamie, anunciados ao
longo do mês de maio, também
receberão seus prêmios (veja quadro ao lado).
Nascido em Santa Catarina em
1952, mas vivendo em Curitiba há
mais de 30 anos, Tezza é professor
universitário e, antes da publicação deste último livro, dedicara-se
por seis anos exclusivamente à
teoria literária, estudando Bakhtin e o formalismo russo. Segundo
ele, entretanto, não há influências
de um trabalho no outro. "Entre
ensaio e ficção, sou esquizofrênico. O ensaio trabalha sempre com
a pressuposição da verdade, não
com a ambigüidade e a experiência multifacetada que o romance
requer", disse o autor, em entrevista à Folha.
Antes de dedicar-se à teoria, de
qualquer forma, já escrevera outros 11 romances, sendo "Breve
Espaço entre Cor e Sombra", de
1998, o mais bem sucedido. O livro recebeu o Prêmio Machado
de Assis da Fundação Biblioteca
Nacional e foi um dos três finalistas do Prêmio Jabuti daquele ano.
O enredo de "O Fotógrafo" é focado na figura que dá título ao livro e que, no entanto, grande desfeita, nem sequer recebe um nome. Outros quatro personagens,
inclusive a modelo inicial, todos
nomeados e de vidas leve ou densamente entrelaçadas, viverão encontros e separações no decorrer
de um único dia. É a véspera das
eleições de 2002, e Curitiba, "cidade intimista que joga a gente muito pra dentro", nas palavras de
Tezza, torna-se palco da história,
geral e particular.
"A solidão é a forma discreta do
ressentimento." É assim que o
narrador abre o livro, e o autor
admite que essa aflição percorrerá
o enredo todo, mantendo os personagens em uma compartilhada
crise momentânea. "Não se trata
propriamente de uma universalização, e sim de um espírito do
tempo. A solidão é o grande tema
da literatura moderna, pela idéia
de que não se tem mais cosmogonias para correr atrás e cantar",
explica Tezza.
A política, dessa forma, é apenas
pano de fundo para a história intimista. As eleições funcionam como vértice para os laços e acontecimentos do romance, como assunto recorrente entre todos os
personagens, mas nunca como
elemento central da trama. "Exatamente como na vida real", afirma o autor.
Neste livro, diferente dos seus
anteriores, Tezza buscou um registro que não se entregasse totalmente aos personagens. Optou,
então, pela narração em terceira
pessoa e adotou recorrentemente
o discurso indireto. É o próprio
autor quem justifica a escolha:
"Embora o narrador entre na cabeça dos personagens, ele mantém uma certa distância. A literatura precisa de distância, senão
ela é confissão".
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Teatro: Peça em festival emerge de "pântano moral" de Koltès Índice
|