São Paulo, sexta-feira, 02 de junho de 2006

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Em nova turnê, Madonna continua a encarnar a essência do pop

Depois de mil horas de ensaios e oito costelas quebradas, ela agitou mais de 5 mil pessoas na pecadora cidade de Las Vegas

Como um rolling stone

Chris Pizzello/Associated Press
Madonna, aos 47 anos, em momento histórico de sua "Confessions Tour": cantando "Like a Virgin" em versão sobre sela mecânica, nada comportada


ERIKA PALOMINO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Crianças esperando a chegada de um Papai Noel de helicóptero, olhamos para o alto, ansiosos. Somos coisa de 5.000, 6.000 e lotamos uma organizada arena construída no subsolo de um hotel de luxo em uma bizarra cidade americana. Os minutos passam, começam os gritos, que entram num crescendo até, finalmente, apagarem-se as luzes. Mais e mais gritos. Entra a música e, lentamente, um grande globo de espelhos com jeitão de nave-mãe vai descendo à Terra; quer dizer, ao palco. Luzes, vídeo, ação: Madonna está entre nós. A cena aconteceu no último fim de semana em Las Vegas, mas se repetirá em mais 22 cidades em todo o planeta -nenhuma brasileira. Aos 47 anos, dois filhos, dois casamentos, 18 discos lançados, seis turnês mundiais, depois de mil horas de ensaios, oito costelas quebradas e muitas garrafas de água de cabala, a loura mais famosa das paradas é o nome na boca do pop com sua "Confessions Tour". O show é mais uma obra da extremamente bem desenvolvida tradição do showbiz americano, integralmente coreografado, com 22 bailarinos em cena, mais músicos e muita parafernália tecnológica e cênica. Madonna leva muito a sério sua condição de entertainer e descobriu ainda em tempo que a gente só quer dançar, dançar, dançar. "Confessions on a Dance Floor", o disco que deu origem à turnê, representa a retomada da veia das pistas que lhe deu fama e fortuna. O álbum e o show são recheados de hinos/ hits feitos para chacoalhar o esqueleto ou o popozão. Como quem está em cena é, hã, Madonna, não poderiam faltar nem uma polemicazinha religiosa nem uma escaramuça política. Assim, ela surge crucificada (numa cruz de espelhos e cristais, botas Yves Saint Laurent e coroa de espinhos) para cantar a balada "Live to Tell", e chochando Bush em "I Love New York". Mas a força do show nem está aí -e ela sabe. O principal mérito da turnê é trazer de volta Madonna Louise Veronica Ciccone a seu público. Cenários, vídeos e coreografias foram criados para aproximá-la de seus fãs. Quando ela rasteja pelo chão da grande agulha do palco invadindo a platéia, quem está nas laterais chega a ver os detalhes de seus cílios com glitter prata. Há momentos históricos. "Like a Virgin" em versão sobre uma sela mecânica que passeia junto ao público, onde rola até uma lap-dance. Lap-dance? É isso aí: ela está muuuuuuito menos carola do que na "Re-Invention Tour" (2004), quando não se permitia nem descobrir a cabeça e fez os fãs engolirem um indigesto kilt longo. Aqui, há pele à mostra, como no erotizado ensaio fotográfico da revista "W" feito pelo fotógrafo Steven Klein, no show em forma de vídeo, mostrando Madonna como uma amazona sadomasô, criando uma "connection" com um cavalo até, dançando, mover-se como um deles (só isso já vale o ingresso). E como as novas músicas são até boas (lembre-se do fraco CD "American Life"), o show rende. "Get Together" levanta as arquibancadas logo no início; a étnica "Isaac" ganha arranjo épico, com Yitzhak Sinwani cantando em hebraico; "Sorry" arrebenta e, na versão remix, "Hung Up" ganha coro e chuva de balões. A recente "I Love New York" empolga, com Madonna pagando de roqueira na guitarra, preparando o chão para a adorada "Ray of Light", com os timbres anos 80 celebrados pelo produtor e diretor musical da turnê, Stuart Price, responsável por atualizar a sonoridade das músicas e por inventar as inebriantes batidas de "Confessions on a Dance Floor". Merece prêmio alguém que tem a cara-de-pau de samplear literalmente um loop de Abba, em "Hung Up" -e deixar bom. A disco music dos anos 70 inspira também o duvidosíssimo figurino de John Travolta do final. Este é o show de roupas mais fracas, sem deixar nenhum registro marcante. Em compensação, "Confessions" traz um elenco de apoio melhor do que o daquela época. Dançarinos vigorosos surpreendem, movendo-se entre quatro palcos. São eles que emprestam o quociente de realidade à cena, nos passos violentos do krumping, dança que simula uma briga, ou nos saltos aeróbicos do "le parkour" (pular de um prédio para outro). Em "Jump", Madonna salta também, rodopiando sem perder o fôlego. Como um rolling stone, o tempo está ao lado dela.

A jornalista ERIKA PALOMINO viajou a convite da TAM


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