São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2010

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ANÁLISE
OBRA

Na dança do mestre, morte e vida alternam e se completam

INÊS BOGÉA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Kazuo Ohno condensava o tempo no movimento. Para ele, era preciso suportar as pressões, depois envolver-se no movimento e com a energia acumulada "elevar-se, na água da dança, como o linguado acima da areia".
Começou a dançar aos 43 e não parou mais, mesmo nos últimos anos, na cadeira de rodas. Como ele dizia, "mover-se é procurar vida". Verdadeiro mestre da dança, ele nos transportava com seus gestos e sua presença até outro espaço, onde se conectam o arcaico e o atual.
Foi um grande artista do butô -estilo nascido no ambiente da vanguarda japonesa. O corpo e suas metamorfoses, o claro e o escuro, as memórias individuais e coletivas, a sexualidade, o inconsciente e o grotesco são temas recorrentes dessa forma de arte, que mudou a maneira de pensar a dança no mundo.
"No butô os mortos podem se transformar em força vital." No Brasil, Ohno transformou o entendimento da dança por onde se apresentou. Por aqui ele mostrou "Mar Morto"; "Suiren" ("Ninféias"); "Ka Cho Fu Getsu" ("Flor, Pássaro, Vento e Lua"); "Tendoh Chidoh" ("Caminho no Céu, Caminho na Terra") e sua peça mais emblemática, "Admirando la Argentina" (1977), em que encarnava o "amor e a dor da vida cotidiana".
Para ele há sempre algo começando e algo terminando: morte e vida se alternam e se completam. Uma dança da simplicidade, onde a força surgia devagar e invadia os sentidos arrebatadoramente.
Em cena, ele se via cercado dos mortos e de espectadores. Agora, vida e morte redobram-se e multiplicam-se na nossa memória, levando cada um a compreender o misterioso papel da arte: "o início é o fim e o fim é o início".

INÊS BOGÉA é diretora da São Paulo Companhia de Dança



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