São Paulo, terça-feira, 02 de julho de 2002

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"JOSÉ RESENDE"

Artista imprime leveza a esculturas

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Podemos ver os movimentos de abstração geométrica dos anos 50 como a expressão produtiva de um processo de adensamento da arte no Brasil. Nesse período, como nunca antes, a arte moderna se desinibe, desprendendo do provincianismo acadêmico e da procura em ser moderno através da submissão a vogas internacionais.
A geração posterior, da qual José Resende faz parte, surgida entre os anos 60 e 70, dá o passo seguinte. Lidando diretamente com a dificuldade da radicalidade no meio brasileiro, alguns artistas passaram a encarar essa incipiente produção como uma questão, testando limites e buscando novas possibilidades criativas.
Aqui se procurou estabelecer um belo diálogo entre o que havia de mais significativo na modernidade brasileira e a ousadia das neovanguardas européias e norte-americanas do pós-guerra.
É desse diálogo que parece surgir uma espécie de destempero dos materiais característicos de algumas obras de José Resende. Pois, partindo de uma certa configuração construtiva, o escultor colocou pimenta, apresentando os materiais como se eles ainda não estivessem prontos.
É curioso que em sua nova exposição não se passe por suas esculturas sem notar sua graça. Por mais pesadas que as peças sejam, elas parecem realizar a passagem de um material a outro sem trancos. O aspecto truncado, de uma ordem provisória de outros trabalhos, aqui parece ter se convertido num equilíbrio fluido e delicado.
Na primeira sala de exposição, a fluidez é tamanha que as esculturas parecem se sustentar umas nas outras. A maior escultura da galeria, num movimento harmônico, organiza o desabar das outras peças. Passa-se do cobre para o chumbo e desse para o ferro. No final tudo se sustenta na água, dando a impressão de uma leveza equivalente ao tom diáfano das três graças de Botticelli.
Entretanto proximidade maior é com a pintura de Leonardo da Vinci. Os artistas têm em comum, também, uma tentativa de unificar naturezas pouco familiares enquanto elas agem no mundo. O artista fiorentino fazia isso como uma tentativa de apreensão da ordem do universo.
Na escultura de José Resende os materiais agem diante de nossos olhos. A parafina que sai do interior de um dos canos sustenta-se pelo seu peso, sua capacidade de agregar e também sua fragilidade. O procedimento parece se diferenciar essencialmente da grafia dos séculos 15 e 16 em Florença, não se tenta capturar a dinâmica divina e imutável da natureza.
Pelo contrário, parece que cada parte da escultura de Resende quer ser outra coisa. Como se aquelas formas circulares, que se encouraçam configurando uma forma reverente, se encontrassem por motivos circunstanciais e fizessem, dessa reunião, possibilidade de potência. Em um meio que desmente suas intenções frequentemente, elas, de um jeito transverso, conseguem mostrar suas qualidades.


José Resende     
Onde: Gabinete de Arte Raquel Arnaud (r. Arthur de Azevedo, 401, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/3083-6322)
Quando: de seg a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 14h; até 10/8
Quanto: entrada franca



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