São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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CINEMA

Dinamarquesa fala do sucesso comercial de "Corações Livres", longa feito segundo as regras do movimento de 1995

"Comunidade Dogma acabou", diz diretora

THIAGO STIVALETTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Se no resto do mundo fala-se cada vez menos do Dogma, o movimento que preconiza a volta do "cinema puro", sem efeitos especiais, em casa ele continua fazendo milagre. Em 2002, quando "Corações Livres" estreou na Dinamarca, a diretora Susanne Bier não podia prever o sucesso: 500 mil espectadores, o equivalente a 10% da população.
A crítica também acolheu bem o melodrama, que conta a história de Cecilie e Joachim, noivos que têm suas vidas alteradas quando, num acidente, Marie (Paprika Steen, de "Festa de Família") atropela o rapaz e o deixa inválido. O marido de Marie, o médico Niels, vai cuidar de Joachim e servir de esteio emocional para Cecilie, devastada emocionalmente com a nova condição do noivo. A partir daí, a relação entre médico e noiva fica cada vez mais séria.
O filme passou pelos festivais de Toronto, San Sebastián e Londres, além de ter sido indicado pela comissão de cinema dinamarquesa para o Oscar. Não conseguiu uma vaga entre os cinco finalistas da Academia, mas ganhou distribuição comercial nos Estados Unidos -fato raro para um filme estrangeiro de um país sem produção expressiva.
"Corações Livres" é o terceiro longa de Bier (sua estréia, "Credo", é de 1997), mas o primeiro a seguir os mandamentos do Dogma. "Achei que o mundo real, com suas histórias banais, poderia funcionar com um movimento estético que nos obriga a construir um sentido de realidade extrema, que lida com seres humanos mais palpáveis que os do cinema comercial", disse a cineasta em entrevista à Folha, por telefone, de Copenhague, onde roda o seu quarto longa, "Brothers".

Saturação
Bier admite que há uma certa saturação do Dogma em seu país. Ela e seus colegas, Lars von Trier e Thomas Vinterberg -fundadores do movimento-, formaram-se em diferentes turmas da National Film School da Dinamarca. Os três discutiram tanto sobre as regras e os efeitos do movimento no cinema contemporâneo que hoje preferem falar de outra coisa. Ou seja: não existe mais uma comunidade de cineastas que se reúna em torno do movimento, com debates e propostas.
Por isso ninguém mais cobra que eles façam um cinema depurado, sem maquiagem ou efeitos especiais. "Vinterberg e Von Trier continuam a buscar novas experiências para a linguagem cinematográfica, e isso é sempre válido. O movimento foi lançado há muito tempo. Hoje qualquer cineasta conhece as regras do Dogma e pode segui-las, se quiser."
Ela reconhece que o impacto do movimento já não é o mesmo após quase dez anos, mas defende que o cinema dinamarquês mantém seu vigor combinando integridade estética e instinto popular para agradar o grande público.
Conta para isso a forte tradição cinematográfica desde as primeiras décadas do século 20 -Carl T. Dreyer, o cineasta de "Vampiro" e "O Processo de Joana d'Arc", é uma eterna inspiração para os novos cineastas. E também uma forte tradição oral na arte de contar histórias, com fabulistas como Hans Christian Andersen.
A própria cineasta ainda não sabe se volta a seguir as regras do Dogma em seus próximos filmes. "Por ora isso está descartado. Só vou fazê-lo se encontrar uma história que eu acredite que ganhe força se for filmada de forma despojada, como foi o caso de "Corações Livres"."


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