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CINEMA
Dinamarquesa fala do sucesso comercial de "Corações Livres", longa feito segundo as regras do movimento de 1995
"Comunidade Dogma acabou", diz diretora
THIAGO STIVALETTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Se no resto do mundo fala-se cada vez menos do Dogma, o movimento que preconiza a volta do
"cinema puro", sem efeitos especiais, em casa ele continua fazendo milagre. Em 2002, quando
"Corações Livres" estreou na Dinamarca, a diretora Susanne Bier
não podia prever o sucesso: 500
mil espectadores, o equivalente a
10% da população.
A crítica também acolheu bem
o melodrama, que conta a história
de Cecilie e Joachim, noivos que
têm suas vidas alteradas quando,
num acidente, Marie (Paprika
Steen, de "Festa de Família") atropela o rapaz e o deixa inválido. O
marido de Marie, o médico Niels,
vai cuidar de Joachim e servir de
esteio emocional para Cecilie, devastada emocionalmente com a
nova condição do noivo. A partir
daí, a relação entre médico e noiva fica cada vez mais séria.
O filme passou pelos festivais de
Toronto, San Sebastián e Londres,
além de ter sido indicado pela comissão de cinema dinamarquesa
para o Oscar. Não conseguiu uma
vaga entre os cinco finalistas da
Academia, mas ganhou distribuição comercial nos Estados Unidos -fato raro para um filme estrangeiro de um país sem produção expressiva.
"Corações Livres" é o terceiro
longa de Bier (sua estréia, "Credo", é de 1997), mas o primeiro a
seguir os mandamentos do Dogma. "Achei que o mundo real,
com suas histórias banais, poderia funcionar com um movimento estético que nos obriga a construir um sentido de realidade extrema, que lida com seres humanos mais palpáveis que os do cinema comercial", disse a cineasta
em entrevista à Folha, por telefone, de Copenhague, onde roda o
seu quarto longa, "Brothers".
Saturação
Bier admite que há uma certa
saturação do Dogma em seu país.
Ela e seus colegas, Lars von Trier e
Thomas Vinterberg -fundadores do movimento-, formaram-se em diferentes turmas da National Film School da Dinamarca. Os
três discutiram tanto sobre as regras e os efeitos do movimento no
cinema contemporâneo que hoje
preferem falar de outra coisa. Ou
seja: não existe mais uma comunidade de cineastas que se reúna
em torno do movimento, com debates e propostas.
Por isso ninguém mais cobra
que eles façam um cinema depurado, sem maquiagem ou efeitos
especiais. "Vinterberg e Von Trier
continuam a buscar novas experiências para a linguagem cinematográfica, e isso é sempre válido. O movimento foi lançado há
muito tempo. Hoje qualquer cineasta conhece as regras do Dogma e pode segui-las, se quiser."
Ela reconhece que o impacto do
movimento já não é o mesmo
após quase dez anos, mas defende
que o cinema dinamarquês mantém seu vigor combinando integridade estética e instinto popular
para agradar o grande público.
Conta para isso a forte tradição
cinematográfica desde as primeiras décadas do século 20 -Carl T.
Dreyer, o cineasta de "Vampiro" e
"O Processo de Joana d'Arc", é
uma eterna inspiração para os novos cineastas. E também uma forte tradição oral na arte de contar
histórias, com fabulistas como
Hans Christian Andersen.
A própria cineasta ainda não sabe se volta a seguir as regras do
Dogma em seus próximos filmes.
"Por ora isso está descartado. Só
vou fazê-lo se encontrar uma história que eu acredite que ganhe
força se for filmada de forma despojada, como foi o caso de "Corações Livres"."
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