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"À MEIA-LUZ - SESSÃO DUPLA"
EUA e Inglaterra na disputa pelo noir
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Em plena Segunda Guerra
Mundial, os bastidores das
indústrias cinematográficas inglesa e americana se viram agitados por uma perigosa contenda
comercial: às vésperas do lançamento do remake de "À Meia-Luz" (1944), os executivos da
MGM armaram uma operação
para comprar e destruir os negativos da versão original inglesa, realizada quatro anos antes.
A operação falhou, e a versão
original sobreviveu para ser lançada hoje, em DVD de lado A e B,
junto -mas como espécie de reverso da moeda- do remake
hollywoodiano.
São ambas adaptações de "Gaslight", peça de Patrick Hamilton
-o dramaturgo inglês que inspirou o Hitchcock de "Festim Diabólico"- publicada em 1938. Na
Londres do final do século 19,
uma jovem mulher vitoriana é
torturada psicologicamente pelo
marido arrivista.
O enredo não muda muito, mas
os quatro anos de diferença entre
as duas versões se multiplicam em
razão da guerra: as limitadas profundidade e nuança psicológicas
dos personagens da versão inglesa, um thriller psicológico de parcos recursos, estão mais próximas
da era do primeiro cinema falado,
dos filmes do princípio da década
de 30.
A inocência e a unidimensionalidade desses personagens, o cinema do pós-guerra já não conhecerá. Os abismos da alma humana
haviam sido devassados naqueles
anos: o noir norte-americano dos
anos 40 seria a primeira evidência
de que o cinema falado se tornara
psicologicamente mais complexo.
As teorias freudianas aportavam em Hollywood, trazidas na
bagagem de cineastas europeus
refugiados do nazismo. Prova disso é que a mulher vitoriana da
versão americana (Ingrid Bergman, no papel que lhe valeu seu
primeiro Oscar) segue à risca o retrato freudiano da histeria feminina. No remake, a psicologia dos
personagens renasce vigorosa.
Se não fosse encampado pela
MGM, "À Meia-Luz" talvez tivesse se tornado um autêntico noir,
gênero cujos melhores frutos nasceram de produções modestas.
Caso inversamente proporcional
ao do longa-metragem original de
Thorold Dickinson, que tendia a
crescer se realizado como uma
produção de primeira linha da indústria inglesa, se protagonizado,
por exemplo, por Lawrence Olivier e dirigido por Hitchcock, ex-titulares do cinema britânico que
filmaram, no mesmo ano, em
Hollywood, "Rebecca, a Mulher
Inesquecível", obra irmã de "À
Meia-Luz".
Estúdio da elite hollywoodiana,
a MGM sustentava um esquema
de produção dos mais hierarquizados, com pouco espaço para a
contribuição pessoal dos diretores (no caso, George Cukor). Sob
os moldes da MGM, o thriller se
faz drama psicológico para donas-de-casa de classe média americanas. E a riqueza cenográfica
hollywoodiana se faz opulência
vazia. Como diria Frank Capra,
referindo-se ao padrão MGM,
nem sempre os esquemas mais
bem planejados resultam nos melhores filmes.
À Meia-Luz - Sessão Dupla
Gaslight
Direção: Thorold Dickinson
Produção: Inglaterra, 1940
Direção: George Cukor
Produção: EUA, 1944
Lançamento: Warner (pacote especial
com os dois DVDs)
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