São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

"LUGARES COMUNS"

Aristarain constrói longo lamento palavroso sobre destino argentino

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Andam nos acostumando mal, os argentinos. De uma enfiada vieram "Pântano", "Valentin", "Do Outro Lado da Lei" -tão fortes que, perto deles, tende-se a esnobar "Lugares Comuns", que é bem inferior.
No entanto, "Lugares Comuns" está longe de ser desprezível. Idéia central, bem argentina, é que vida e morte não são coisas separadas ou diferentes. Uma já contém a outra. Morremos o tempo todo. A idéia é também a de Fer.
Idéia adequada para um filme que trata da velhice, afinal. Pois Fer logo de início é forçado a se aposentar. Com menos dinheiro, precisará vender seu apartamento de Buenos Aires e morar no interior. A dificuldade de financiamento para seus planos o obrigará, suprema concessão (ou ato de amor?), a pedir dinheiro ao filho arrivista que mora na Espanha.
A seu lado, Fer terá sua mulher, Lili. Com o amigo advogado parecem seus únicos portos seguros.
Ora, estamos numa Argentina depressiva e neoliberal, em que idéias como liberdade, igualdade e fraternidade soam ocas: não é à toa que o professor sem cátedra vai parar no interior, dialogando com o seu caseiro.
"Lugares Comuns" é isso: um tango, um longo lamento sobre o destino argentino. Algo que expressa um tipo de sentimento diferente, para não dizer oposto, ao dessa nova geração de cineastas que, antes de lamentar, exaltar etc. optam por observar o mundo.
Aristarain, cineasta mais veterano (nasceu em 1943), não chega despojado, como os mais novos. Traz a armadura do humanismo, dos grandes ideais anarquistas, esse desejo de liberdade que pode se converter, conforme a situação, em niilismo, descrença, amargura profunda. Tango de novo.
Ao mesmo tempo, não se pode negar que este é um filme palavroso como o próprio personagem central -cheio de frases definitivas a propósito de tudo (diga-se em sua defesa que as frases são muito menos numerosas e em geral mais interessantes do que as de "Cazuza", por exemplo). Isso define o seu limite: a vontade de dizer certas coisas parece em Aristarain maior do que a de mostrar. A palavra escrita é ainda a pedra de toque, para o bem e para o mal.


Lugares Comuns
Lugares Comunes
  
Direção: Adolfo Aristarain
Produção: Argentina/ Espanha, 2003
Com: Federico Luppi, Arturo Puig
Quando: a partir de hoje no Cinearte e no Cineclube DirecTV



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