São Paulo, sábado, 02 de julho de 2005

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Pesquisador conecta Kantor com história da Europa

DA REPORTAGEM LOCAL

Tadeusz Kantor morreu em 1990, aos 75, ocasião em que muitos críticos quiseram aproveitar para jogar a última pá de cal sobre o seu teatro. Quinze anos depois, pensamento e obra seguem ativos na quebra das ilusões.
É o que o pesquisador polonês Michal Kobialka mostrou no seminário realizado nesta semana no teatro Fábrica São Paulo. Especializado em teatro e drama na Idade Média, professor da universidade de Minnesota (EUA), Kobialka, 48, se tornou também um especialista em Kantor. Diz que não alcançaria este sem aquele.
Durante cinco noites, estudantes, artistas e público em geral lotaram a platéia para uma minuciosa interpretação do teatro de Kantor. Foram exibidos DVDs de peças importantes, como "A Classe Morta" (1975), "Wielopole, Wielopole" (1980), "Que Morram os Artistas" (1985) e "Aqui Não Volto Mais" (1989), além de documentários em torno dos manifestos com os quais Kantor procurava jogar luz sobre suas criações.
À frente do grupo Cricot 2, fundado em 1955 e em atividade até meados dos anos 90, sublinhava "O Teatro da Morte", seu manifesto mais conhecido. Em linhas gerais, dizia que a vida só se manifesta no teatro quando passa pela morte, metáfora para o nada.
Kobialka conheceu Kantor em 85, em Nova York, quando foi entrevistá-lo para uma publicação. Logo, estabeleceu parceria como tradutor de seu conterrâneo. A seguir, trechos da conversa. (VS)

 

VANGUARDAS - "Quando estava ligado a movimentos da vanguardas, como o surrealismo, o dadaísmo, o construtivismo, Kantor formulou suas lembranças usando esses princípios. Mais tarde, caiu na real e percebeu que havia uma outra prática de criar ilusão a ser banida de seu teatro. Nas últimas produções, Kantor não queria mais ser vanguarda. Eliminou a linguagem e formulou as imagens de vanguarda de protesto."
GUERRA - "Kantor está sendo conectado com a história interna da própria Europa. É por isso que, no seu teatro, serão colocadas com freqüência questões relativas à guerra. Mas o que é importante na prática de Kantor é que ele não se torna uma reconstrução de memórias, simplesmente porque freqüentemente não podemos lidar com essas memórias. Construímos nossa consciência, criamos diferentes métodos, porque, de outra forma, fica difícil viver. Kantor mostra caminhos de perturbação desse processo."
ESPAÇO INTERNO - "Em Kantor, você vê sempre a questão da repetição, o eco da memória com ironia. Está continuamente mudando o movimento, a imagem nunca é completa, porque, se fosse, seria moldurada, permitindo que você a esqueça. Se a imagem é dinâmica, há uma contínua renovação dessa angústia. Nesse sentido, é um teatro das obsessões."
VIÉS POLÍTICO - "Para mim, o teatro de Kantor não é um teatro de emoções, de comentários íntimos, não é somente o teatro da morte. É um teatro extremamente poderoso e político. Suas produções são comentários de situações que ele viveu nos eventos do mundo. Estava consciente de sua função de cronista do século 20."
ESQUECER - "Para se lembrar de Kantor, é preciso esquecê-lo. Esquecer é o melhor jeito de lembrar. Somos estimulados a esquecer para não lembrar, numa linguagem que só acessa algumas coisas. Pode ser uma linguagem política, como a que Bush aplica ao Iraque, com sua definição de democracia. Esquecer é abrir a possibilidade de pensar de forma diferente sobre a representação através da ideologia dominante. Minha referência para esquecer Kantor homenageia essa tradição que abre o espaço do pensar. Esquecer significa investigar de forma dinâmica, e sempre."
CORPO - "Kantor não lida com o corpo como os artistas performáticos americanos faziam nos anos 60 e 70, explorando limites para falar da dor. Para ele, o corpo é uma embalagem por excelência, que protege a coisa mais íntima que é a vida. Essa embalagem, esse corpo, é um modo poético de Kantor expressar seu respeito incrível pelo ser humano. Não é necessariamente explorar o que o corpo pode ou não fazer, mas a proteção desse interior mais poderoso e íntimo. No teatro de Kantor, o ator é quem carrega o corpo, que fica em oposição a você, espectador, forçando-o o quão similar você é ou totalmente diferente da pessoa do outro lado. Aquele ator, naquele corpo, está prestes a provocar um choque que forçará você a pensar."
PALAVRA - "A palavra falada nas produções de Kantor é uma manifestação daquilo que se distingue da linguagem corrente. Os atores usam improvisações, fragmentos, repetições, pedaços de memória. Em algumas passagens de "A Classe Morta", por exemplo, os velhos personagens da sala de aula são como que tomados pelos personagens de um drama de Witkiewicz [autor polonês Stanislaw Ignacy Witkiewicz, 1885-1939], "Tumor Cerebral", e não falam seqüências completas da peça. Entendemos os velhos tentando lembrar aqueles dias na escola, na concepção de Kantor, ao mesmo tempo em que estão falando o texto de Witkiewicz. Essa tensão abre o espaço e se torna dinâmica, mutante, em vez de construir uma imagem única. Os textos de Tadeusz Kantor são escritos de forma poética porque a linguagem da poesia é evocativa, e não afirmativa."


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