São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2007

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GUILHERME WISNIK

Atalho redentor


Como diz Argan, a Torre Eiffel glorifica o presente e anuncia o futuro; já o Cristo, cabe aqui perguntar: anuncia o quê?


À MEDIDA que se aproxima o término da votação das Novas Sete Maravilhas do Mundo (as vencedoras serão anunciadas no dia 7 de julho), cresce no Brasil, em clima de orgulho nacionalista, a campanha pela eleição do Cristo. Os sinais são vários: desde o apelo do presidente Lula a todos os seus 58 milhões de eleitores, até a propaganda da seleção brasileira, que entrou no estádio de Wembley com uma faixa pedindo votos para o "Christ Redeemer". A situação não poderia ser mais constrangedora, reforçando a imagem do povo subdesenvolvido que vai lá fora pedir favor, misturado ao fervor evangélico que muitos dos nossos jogadores levam a campo.
Mas há também o verso complementar da moeda. Se do lado de lá nossa atitude "ingênua" inspira vergonha, do lado de cá aparece como arrogância burra, igualmente colonizada. Falo do velho ufanismo verde e amarelo presente nas matérias acriticamente favoráveis à eleição do Cristo, que proliferam sobretudo na imprensa do Rio de Janeiro e procuram valorizar o nosso monumento depreciando ignorantemente outras reais maravilhas, como os "desconhecidos" palácios de Alhambra (Espanha), Angkor (Camboja), Petra (Jordânia), Timbuktu (Mali) e a catedral de Santa Sofia (Turquia).
Convenhamos, comparar o Cristo ou a Estátua da Liberdade a esses patrimônios (para não falar no Parthenon, no Coliseu, na Muralha da China ou em Machu Picchu) só pode ser uma piada de mau gosto. É claro que existe um equacionamento geopolítico na pré-seleção dos 21 finalistas feita pela Unesco, abrangendo todos os continentes.
Mas, disparates à parte, o conjunto é impressionante, não só pelo valor estético "puro" de cada um dos seus exemplares mas também pelo fato de serem patrimônios que decantam o longo trabalho de culturas sólidas e sofisticadas. Trabalho físico e intelectual de gerações, que parece ser precisamente aquilo que a campanha nacional pelo Cristo despreza, valorizando um atalho que possa, de modo esperto, aboli-lo.
O que não quer dizer que só se deva eleger patrimônios antigos. Tomemos o exemplo risível do Cristo (1923-31) e da Estátua da Liberdade (1886) em comparação com a Torre Eiffel (1889), que, além de contemporâneo, também é um monumento e não um edifício. Gustave Eiffel, por sinal, foi quem assessorou o cálculo da estrutura metálica que sustenta a estátua presenteada pelos franceses aos americanos (e que serviu, mais tarde, de referência estética aos brasileiros). Contudo, poucos anos depois, pôde construir o verdadeiro símbolo da Paris moderna (e da modernidade), despido daquele revestimento figurativo anacrônico, decadente e ideológico.
Como diz Argan, a torre é um monumento cuja singularidade é não ter nada de "monumental", pois "não comemora nem celebra um passado, não exprime princípios de autoridade nem dá expressão visual a ideologias, contudo glorifica o presente e anuncia o futuro". Por isso, é o equivalente espacial das pinturas impressionistas. Já o Cristo, teríamos de nos perguntar: anuncia o quê?


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