São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009

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Para Talese, imprensa matou Michael Jackson

Pai do "new jornalism" condena cobertura das acusações contra músico; "internet nem vale a pena discutir"

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O jornalista posa pra foto em rua do Itaim, em São Paulo

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Terno impecável, lenço na lapela, chapéu aprumado, postura majestosa. Aos 77, Gay Talese mantém a pose como seu amigo Tom Wolfe. Os dois lançaram nos anos 60 o "new journalism", movimento que produziu, da parte de Talese, clássicos como "O Reino e o Poder" (sobre o "The New York Times") e "A Mulher do Próximo" (painel da mudança do comportamento sexual nos EUA). Mas Talese, um dos principais convidados da 7ª Festa Literária Internacional de Paraty (conversa com o jornalista Mario Sergio Conti no sábado, às 17h), não gosta de ser associado ao "novo jornalismo", ou jornalismo literário. Para ele, faltam qualidades essenciais para vários dos autores que se identificaram com o movimento: acuidade, fidelidade e respeito aos personagens. É obcecado pelos detalhes, pelo rigor.
Por isso, também é crítico ácido da imprensa. Para Talese, Michael Jackson é bom exemplo do que pior tem acontecido. "A imprensa deve desculpas a Michael Jackson", diz. "A forma como o trataram é horrível." Para ele, os problemas do astro pop -drogas, isolamento- se agravaram pela forma irresponsável com que a imprensa lidou com as acusações de abuso sexual que pesavam sobre ele. "Morreu difamado antes de ter morrido."
"Seja qual for a razão que o legista der para a morte, não vai fazer diferença. Ele começou a morrer quando as acusações ganharam as manchetes. Em conluio com os acusadores, estava a mídia americana."

Tragédia nacional
Além de seus 11 livros, Talese é famoso pelos artigos que escreveu em revistas como "Esquire". Perfis que traçou de celebridades foram essenciais. Mas o autor de "Thriller" não parece inspirar o autor de "Vida de Escritor" (Cia. das Letras), recém-lançado, em que Talese discorre sobre seu ofício.
"Agora que Michael Jackson está morto todos se lamentam, como se sua morte fosse uma tragédia nacional. Mas ele já era uma tragédia nacional todos esses anos e ninguém o ajudou. Viveu em infâmia." Para Talese, o jornalista deve se formar na busca obsessiva pela verdade, como se fosse uma religião. Os olhos brilham quando se lembra de seu começo no "New York Times", nos anos 50, quando a redação era o local em que se contava "o menor número de mentirosos" do país. Mas isso é passado.
E a internet? E a notícia da morte do cantor, antecipada pelo site TMZ? E o marco do uso do Twitter nos protestos com as últimas eleições do Irã? "A imprensa tradicional já é ruim o suficiente. Internet nem vale a pena discutir."
Mas, nos tempos atuais, é possível ser jornalista sem usar a internet? Ele devolve a pergunta. "O que é jornalismo atualmente? Nem sabemos. Todos podem ser jornalistas. Antes a profissão era associada a credibilidade, as pessoas estudavam para praticá-la. Há 25 anos, o jornalismo passou a ficar competitivo da forma errada. Virou uma competição por furos. Esse foi o primeiro erro.
Tentar ser o primeiro a dar a notícia, acima de tudo. O problema é que você acaba cometendo erros."

Literatura e não ficção
Mas Talese vem ao Brasil principalmente para falar de literatura. Ele diz que gosta de ser considerado um escritor de não ficção "que chega tão perto da verdade quanto possível" (ainda que leia sobretudo ficção). Acha que é possível escrever com arte, mesmo sendo rigoroso. Para alguns de seus artigos mais famosos, diz que procurou usar os mesmos recursos que um escritor usaria -a melhor definição de jornalismo literário, aliás.
Cita um de seus artigos mais famosos, dedicado a Frank Sinatra ("Frank Sinatra Está Resfriado", da "Esquire", de 1966). "Escrevi sem falar com Sinatra. Os personagens secundários são os mais importantes. É assim que os grandes romancistas trabalham. Pegam pessoas que você nunca ouviu falar e os colocam nas páginas. Acho que deve haver até 35 pessoas retratadas nesse artigo. Mas minha melhor história na época foi sobre um jornalista que escrevia obituários, chamado "Mr. Bad News" ["Esquire", fevereiro de 1966]. Meu texto parecia um conto. Mas o nome é real, a situação é real. É jornalismo? É.
O jornalismo é focado em pessoas públicas, mas escrevo sobre pessoas anônimas, e faço isso de forma realista." O próximo livro de Talese será sobre seu casamento de 50 anos com a editora Nan Talese, da Doubleday. Foi ela que lhe falou sobre o evento. Em Paraty, Talese diz que não quer ensinar nada, apenas ouvir.
"Este é um dos principais eventos literários do mundo. Quero aprender, especialmente com os autores brasileiros." Ao se despedir, depois de caprichar na postura alinhada e no sorriso irônico para a foto desta página, feita nas ruas de São Paulo, ele relaxa. Fala ainda com espanto da eleição do novo presidente americano. "Pensando bem, a melhor forma de pensar em Obama é como uma história de ficção..."

Veja a cobertura da Flip

www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2009/flip


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