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Romance relata histórias de abortos envolvendo padres
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma jovem estudante de medicina envolve-se com um padre e
vai descortinando o submundo
da Igreja Católica: amores, abortos e abandonos praticados sob os
olhos do clero romano.
Esse é o fio que conduz o romance "A Hora do Angelus", da
médica Fátima de Oliveira, 53, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, que será lançado
amanhã em Brasília e que promete fazer um grande barulho nos
meios eclesiásticos.
A obra acompanha três décadas
da vida de uma mulher, da adolescência à maturidade, e discorre
sobre as aventuras amorosas e sexuais que ela viveu com três sacerdotes católicos, sempre na clandestinidade. Não faltam conflitos
e sentimentos ambíguos.
Em suas 135 páginas, o romance
apresenta uma narrativa crua de
como os padres se desvencilham
das gravidezes de mulheres com
as quais se envolvem e de como a
Igreja Católica permite que os filhos indesejados sejam renegados
e abandonados.
A narrativa é na primeira pessoa, mas não se trata de um relato
autobiográfico, insiste a autora.
Ainda assim, são várias as coincidências entre a trajetória de Fátima e a da protagonista do romance -como a militância desde a
adolescência no movimento de
mulheres e as cenas ambientadas
no Maranhão, Estado de Fátima.
A médica afirma que todas as
histórias relatadas são frutos de
confidências de padres e freiras
que, ao longo de quase 30 anos, a
procuraram em momentos de dificuldades (leia-se gravidez indesejada) para orientação e apoio.
"Fui depositária de muitas histórias de vida de padres e freiras
que, mesmo proibidos, exerciam
a sua sexualidade. Em situação de
gravidez, a maioria dos padres faz
a opção do aborto. Outros se tornam pais mesmo continuando
padres. Já as freiras têm que deixar o sacerdócio se querem viver a
maternidade", diz.
Fátima conta conhecer casos
reais de padres que engravidaram
moças da classe média e, temendo
um escândalo, deixaram a batina
para se casar -situação que aparece no romance. De início, a médica afirma que pensou em fazer
um livro-documentário em que
contava dez dessas histórias, com
nomes fictícios. Parte da obra
chegou a ser escrita, mas, ao ser
avaliada pelas suas fontes, chegou-se a um consenso de que os
personagens poderiam ser identificados. "Mas o resultado tinha ficado tão bom que surgiu a idéia
de dar um outro formato, misturando as histórias. Foi um desafio", conta a médica, autora de
outros oito livros na área de bioética e saúde da população negra.
Fátima figura entre as 50 mulheres brasileiras indicadas para o
Nobel da Paz de 2005, ao lado de
personalidades como Zilda Arns,
conselheira titular da CNBB no
Conselho Nacional de Saúde. As
duas, porém, atuam em movimentos bem distintos.
Fátima defende o direito de a
mulher interromper uma gravidez não desejada. Zilda é contra o
aborto e prega o direito à vida do
nascituro desde a concepção.
Clínica-geral no hospital universitário da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e mãe
de cinco filhos (dois adotivos),
Fátima diz que nunca precisou fazer aborto, mas se esquiva quando perguntada se já viveu algum
romance com padre: "Não falo da
minha vida pessoal".
Amanhã, durante o lançamento
do livro em Brasília, no Café Martinica, ocorre também um ato pela liberdade de cátedra, motivado
pela demissão da professora Regina Soares Jurkewicz, após lançar
uma pesquisa em que denuncia o
abuso sexual praticado por padres. A pesquisa concluiu que a
Igreja Católica brasileira encobre
os crimes sexuais cometidos por
padres contra mulheres, protege
os agressores e silencia as vítimas.
A Hora do Angelus
Autor: Fátima de Oliveira
Editora: Maza Edições
Quanto: R$ 20 (135 págs.)
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