São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2005

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Romance relata histórias de abortos envolvendo padres

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma jovem estudante de medicina envolve-se com um padre e vai descortinando o submundo da Igreja Católica: amores, abortos e abandonos praticados sob os olhos do clero romano.
Esse é o fio que conduz o romance "A Hora do Angelus", da médica Fátima de Oliveira, 53, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, que será lançado amanhã em Brasília e que promete fazer um grande barulho nos meios eclesiásticos.
A obra acompanha três décadas da vida de uma mulher, da adolescência à maturidade, e discorre sobre as aventuras amorosas e sexuais que ela viveu com três sacerdotes católicos, sempre na clandestinidade. Não faltam conflitos e sentimentos ambíguos.
Em suas 135 páginas, o romance apresenta uma narrativa crua de como os padres se desvencilham das gravidezes de mulheres com as quais se envolvem e de como a Igreja Católica permite que os filhos indesejados sejam renegados e abandonados.
A narrativa é na primeira pessoa, mas não se trata de um relato autobiográfico, insiste a autora. Ainda assim, são várias as coincidências entre a trajetória de Fátima e a da protagonista do romance -como a militância desde a adolescência no movimento de mulheres e as cenas ambientadas no Maranhão, Estado de Fátima.
A médica afirma que todas as histórias relatadas são frutos de confidências de padres e freiras que, ao longo de quase 30 anos, a procuraram em momentos de dificuldades (leia-se gravidez indesejada) para orientação e apoio.
"Fui depositária de muitas histórias de vida de padres e freiras que, mesmo proibidos, exerciam a sua sexualidade. Em situação de gravidez, a maioria dos padres faz a opção do aborto. Outros se tornam pais mesmo continuando padres. Já as freiras têm que deixar o sacerdócio se querem viver a maternidade", diz.
Fátima conta conhecer casos reais de padres que engravidaram moças da classe média e, temendo um escândalo, deixaram a batina para se casar -situação que aparece no romance. De início, a médica afirma que pensou em fazer um livro-documentário em que contava dez dessas histórias, com nomes fictícios. Parte da obra chegou a ser escrita, mas, ao ser avaliada pelas suas fontes, chegou-se a um consenso de que os personagens poderiam ser identificados. "Mas o resultado tinha ficado tão bom que surgiu a idéia de dar um outro formato, misturando as histórias. Foi um desafio", conta a médica, autora de outros oito livros na área de bioética e saúde da população negra.
Fátima figura entre as 50 mulheres brasileiras indicadas para o Nobel da Paz de 2005, ao lado de personalidades como Zilda Arns, conselheira titular da CNBB no Conselho Nacional de Saúde. As duas, porém, atuam em movimentos bem distintos.
Fátima defende o direito de a mulher interromper uma gravidez não desejada. Zilda é contra o aborto e prega o direito à vida do nascituro desde a concepção.
Clínica-geral no hospital universitário da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e mãe de cinco filhos (dois adotivos), Fátima diz que nunca precisou fazer aborto, mas se esquiva quando perguntada se já viveu algum romance com padre: "Não falo da minha vida pessoal".
Amanhã, durante o lançamento do livro em Brasília, no Café Martinica, ocorre também um ato pela liberdade de cátedra, motivado pela demissão da professora Regina Soares Jurkewicz, após lançar uma pesquisa em que denuncia o abuso sexual praticado por padres. A pesquisa concluiu que a Igreja Católica brasileira encobre os crimes sexuais cometidos por padres contra mulheres, protege os agressores e silencia as vítimas.


A Hora do Angelus
Autor:
Fátima de Oliveira
Editora: Maza Edições
Quanto: R$ 20 (135 págs.)


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