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Tenda dos milagres
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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Cena de "O Pracinha da FEB", que integra o 17º espetáculo da companhia |
Grupo Galpão celebra 25 anos com "Pequenos Milagres", peça baseada em relatos de pessoas comuns
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O médico homeopata João
Celso dos Santos, 58, é o mais
velho de nove irmãos. Em meados dos anos 60, um deles, Tarcísio, tinha 11 anos quando tomou um ônibus sozinho na rodoviária de Belo Horizonte rumo a São Paulo. Carregava uma
sacola. Dentro dela, bem embrulhada, a cabeça cortada de
um cachorro que havia mordido alguém da família. Suspeitava-se de raiva. A missão do moleque era entregar a "encomenda" a um tio que trabalhava
num cartório na Sé e despachá-la para a Vigilância Sanitária.
Os desdobramentos dessa
aventura são contados no novo
espetáculo do Grupo Galpão, o
drama "Pequenos Milagres",
que estréia temporada paulistana amanhã no Sesc Anchieta,
em montagem do diretor convidado Paulo de Moraes (da Armazém Cia. de Teatro).
"Cabeça de Cachorro" é a história que abre a noite e que vai
costurando outras três narrativas -selecionadas entre 550
cartas enviadas à campanha
"Conte Sua História", lançada
no ano passado pelo Galpão para subsidiar o texto com o qual
comemoraria seus 25 anos.
"Mandei oito histórias da família. Sete falavam de mim, e a
oitava era essa, do meu irmão.
Na verdade, quem cortou a cabeça do cachorro foi outro irmão, mas a dramaturgia achou
mais interessante atribuir a
ação a meu pai, morto há 40
anos. Apesar de inusitado,
aconteceu de verdade", diz o
médico Santos, morador do arraial de Macacos (MG). "Assisti
ao espetáculo cinco vezes [no
Cine Horto, em Belo Horizonte]. Fiquei bastante emocionado. O Galpão mostra que a arte
está ao alcance de todos."
Em busca de homens e mulheres protagonistas ou testemunhas de passagens "milagrosas", Galpão e Moraes conjugaram ainda as memórias de
um velho expedicionário que
perdeu um amigo no front em
"O Pracinha da FEB", inspirado
em texto da atriz Thereza Alvarenga, 58; a mulher que acalenta por 20 anos o seu objeto do
desejo em "O Vestido", da galerista Maristela de Fátima Carneiro, 53; e o desmonte de uma
relação em "Casal Náufrago",
depoimento cujo remetente
preferiu o anonimato.
"Nosso desafio era como nos
apropriar das histórias, mexer,
criar estruturas narrativas,
personagens, situações, enfim,
transformar isso numa dramaturgia e contar as coisas com a
linguagem do teatro", diz Maurício Arruda Mendonça, 43, co-autor da peça com o próprio
Moraes, 42. O diretor diz que
evitou o ilusionismo o mais que
pôde. "Não queríamos cair na
cilada de pôr em cena somente
os relatos positivos." Como ele,
o grupo afeito à farsa quer enfrentar as dores em bases mais
realistas.
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