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Crítica/teatro
Sensível e sem lições de moral, Galpão celebra a vida comum
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Na primeira cena de
"Pequenos Milagres",
os atores brincam como crianças no palco. Surpreende, por um instante, tamanha sem-cerimônia em um
momento de autocelebração,
mas é assim que o Galpão ganhou tanto respeito nas últimas décadas: de peito aberto.
Para marcar os 25 anos, tomaram-se duas providências
sábias: o diretor convidado da
vez é Paulo de Moraes, do Armazém, de trajetória semelhante; e ele sugeriu partir de
histórias de pessoas comuns.
Que não se espere nenhuma lição de moral -nem finais felizes. O objetivo não é tanto maravilhar, mas enternecer com o
comum, filtrado pela memória
dos autores e temperado pela
sintaxe ágil de Paulo de Moraes
e pelas palavras bem lapidadas
de Maurício Arruda Mendonça.
Assim, em "O Vestido", o sonho de casamento se concentra
no figurino, e não no príncipe
encantado: o marido a ser "pé-na-bundeado", segundo a verve
carrolliana de Mendonça, é
coadjuvante. O que importa é a
realização do sonho. Inês Peixoto convence plenamente,
tendo a graça de permanecer
menina. É antológica a cena na
qual envelhece décadas numa
prova de vestido.
Além do precioso parceiro
Mendonça, Moraes trouxe Carla Berri para pensar com ele o
cenário, a pedra de toque de
suas montagens. Monumental
e despojado, engenhoso ao se
desdobrar no necessário sem
roubar o foco, concretiza o conceito de quebra-cabeça, histórias que se unem sem perder
seus respectivos fios da meada.
O fato de não ser sentencioso, no entanto, não significa
que o espetáculo evite a dor. "O
Pracinha da FEB" tem o tom
agridoce dos quadrinhos de
Will Eisner, explorando um
momento histórico pouco citado no teatro nacional. Há pequenos heroísmos de guerra,
sem conotação ideológica.
Em "Casal Náufrago", mergulha-se no sofrimento mais
sórdido: um casal com a vida
conjugal destruída pela falta de
dinheiro cai no golpe do Baú da
Felicidade (sim, é ele, com seu
sorriso e seus milhões, clonado
arrepiantemente por Beto
Franco). É inesquecível a melancólica dignidade de Eduardo
Moreira, o taxista que tenta reconquistar a mulher, feita com
entrega por Lydia del Pichia.
Mas é a história que costura
tudo, "Cabeça de Cachorro",
que dá a essência. Em saga de
herói, o garoto (Antônio Edson,
em ponto alto da carreira) faz
mais que cumprir seu dever:
passa a gostar de si e se dá de
presente o mar, na cena em que
a bela trilha, a luz caleidoscópica e a cenografia se completam.
Feliz aniversário, Galpão: uma
festa à altura da ocasião.
PEQUENOS MILAGRES
Quando: estréia amanhã, às 21h; qui. a
sáb., às 21h; dom., às 19h; até 26/8
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova,
245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 5 a R$ 30
Avaliação: ótimo
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