São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007

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Crítica/teatro

Sensível e sem lições de moral, Galpão celebra a vida comum

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Na primeira cena de "Pequenos Milagres", os atores brincam como crianças no palco. Surpreende, por um instante, tamanha sem-cerimônia em um momento de autocelebração, mas é assim que o Galpão ganhou tanto respeito nas últimas décadas: de peito aberto.
Para marcar os 25 anos, tomaram-se duas providências sábias: o diretor convidado da vez é Paulo de Moraes, do Armazém, de trajetória semelhante; e ele sugeriu partir de histórias de pessoas comuns.
Que não se espere nenhuma lição de moral -nem finais felizes. O objetivo não é tanto maravilhar, mas enternecer com o comum, filtrado pela memória dos autores e temperado pela sintaxe ágil de Paulo de Moraes e pelas palavras bem lapidadas de Maurício Arruda Mendonça.
Assim, em "O Vestido", o sonho de casamento se concentra no figurino, e não no príncipe encantado: o marido a ser "pé-na-bundeado", segundo a verve carrolliana de Mendonça, é coadjuvante. O que importa é a realização do sonho. Inês Peixoto convence plenamente, tendo a graça de permanecer menina. É antológica a cena na qual envelhece décadas numa prova de vestido.
Além do precioso parceiro Mendonça, Moraes trouxe Carla Berri para pensar com ele o cenário, a pedra de toque de suas montagens. Monumental e despojado, engenhoso ao se desdobrar no necessário sem roubar o foco, concretiza o conceito de quebra-cabeça, histórias que se unem sem perder seus respectivos fios da meada.
O fato de não ser sentencioso, no entanto, não significa que o espetáculo evite a dor. "O Pracinha da FEB" tem o tom agridoce dos quadrinhos de Will Eisner, explorando um momento histórico pouco citado no teatro nacional. Há pequenos heroísmos de guerra, sem conotação ideológica.
Em "Casal Náufrago", mergulha-se no sofrimento mais sórdido: um casal com a vida conjugal destruída pela falta de dinheiro cai no golpe do Baú da Felicidade (sim, é ele, com seu sorriso e seus milhões, clonado arrepiantemente por Beto Franco). É inesquecível a melancólica dignidade de Eduardo Moreira, o taxista que tenta reconquistar a mulher, feita com entrega por Lydia del Pichia.
Mas é a história que costura tudo, "Cabeça de Cachorro", que dá a essência. Em saga de herói, o garoto (Antônio Edson, em ponto alto da carreira) faz mais que cumprir seu dever: passa a gostar de si e se dá de presente o mar, na cena em que a bela trilha, a luz caleidoscópica e a cenografia se completam.
Feliz aniversário, Galpão: uma festa à altura da ocasião.


PEQUENOS MILAGRES
Quando:
estréia amanhã, às 21h; qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h; até 26/8
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 5 a R$ 30
Avaliação: ótimo


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