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Cortina de fumaça
Ecoando discurso de um fumante inveterado, seu personagem em "Restos", monólogo de Neil LaBute que estreia em São Paulo dia 20, ator Antonio Fagundes critica a Lei Antifumo
e diz que vai "peitar" a medida e acender cigarro em cena
Rafael Hupsel/Folha Imagem
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Antonio Fagundes, 60, que vai estrelar o monólogo "Restos',
sob direção de Márcio Aurélio; ator encarna fumante que, durante velório, relembra a relação com sua mulher, vítima de câncer
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Se todo ator incorpora traços
dos tipos que interpreta, parece
que Antonio Fagundes, 60, escolheu o que levar de seu personagem em "Restos", de Neil LaBute, antes da estreia no dia 20,
em São Paulo, no teatro Faap: o
ataque à patrulha antitabagista.
Em cena, dirigido por Márcio
Aurélio ("Agreste"), ele encarna um fumante inveterado que
repassa -com suspiros saudosistas e certa birra dos modos
contemporâneos- as fases de
sua relação com a mulher cujo
corpo está sendo velado.
Ela morreu de câncer, ele está na fila. Pouco importa.
"Guardem seus panfletos ou
qualquer outra merda sobre o
assunto, ok? A vida é minha, pelo menos o que resta dela", diz à
plateia.
O texto de LaBute é farto em
rubricas que pedem um cigarro
à mão. Mas a Lei Antifumo que
entra vigor na sexta no Estado
de São Paulo impede que atores
fumem em cena sem autorização judicial. É aí que Fagundes
toma emprestado o tom incisivo do personagem:
"Vou peitar isso e fumar. Temos um problema de censura.
É um precedente grave se a
gente não fala nada. Fiquei surpreso que os fumantes tenham
ficado quietos. O brasileiro está
muito quieto para tudo. Espero
que os fumantes não votem nas
pessoas que aprovaram essa lei.
É engraçado, porque parece
que o [governador José] Serra é
ex-fumante. Não tem coisa pior
do que ex".
Para Fagundes, "começa assim; amanhã, vão dizer que não
pode beijar na boca porque passa gripe suína; depois, não pode
mostrar assassinato [em cena],
porque é contra a lei. As pessoas ainda não perceberam, a
liberdade não se perde de uma
vez. Os puritanos proibiram o
teatro na Inglaterra por décadas pois achavam que era satânico. Caminhamos para isso".
Sem patrocínio para a montagem de "Restos", o ator também tece críticas ao debate sobre a reforma da Lei Rouanet,
que concede às empresas que
investem em produções artísticas isenção de parte do Imposto de Renda devido.
"As pessoas que redigem a lei
deveriam entender o mecanismo de produção de teatro, saber quanto custa manter um
espetáculo em cartaz, anunciar
num jornal. Não tem ninguém
nessas comissões que já tenha
feito teatro? [Quando se fala
em mudar a lei] Dá a impressão
de que é um movimento rancoroso, do tipo "só estes caras que
não precisam [por serem famosos] recebem dinheiro". É claro
que precisam!"
Por conta das restrições previstas na Rouanet aos gastos
com divulgação, os espetáculos
estreiam, segundo Fagundes,
com "morte anunciada". "Você
fica em cartaz por pouco tempo. Ou seja, se antes se falava
em espetáculos de elite, agora
são peças para a elite da elite,
porque não são só para quem
pode pagar, mas para quem
corre para pagar", observa.
Seu Zé e Dona Maria
Ao longo dos 43 anos de carreira teatral, transitou com desenvoltura entre a dramaturgia
engajada do Teatro de Arena,
musicais da Broadway, montagens de clássicos (como "Macbeth" e "Gata em Teto de Zinco
Quente") e empreitadas de risco, como "Carmem com Filtro", estreia de Gerald Thomas
na cena paulistana. Sempre
com uma piscada de olhos para
"seu Zé e dona Maria" -como
se refere ao espectador pouco
familiarizado com teatro.
"Estamos acostumados a ensinar filosofia a quem não sabe
ler. Parte-se do princípio de
que quem foi lá [ao teatro] sabe
tudo", afirma. "Defendo a tradição teatral para um público que
não a conhece. Sempre pensei
assim: só vou fazer experiência
na minha vida quando tiver feito o resto todo. No Brasil, parte-se para a inovação antes de
se ter experiência."
Daí seu descontentamento
com o abandono "da cortina, da
sala convencional". "Criaram-se espaços que não são teatros.
Você pode inovar sem deixar de
dar ao público conforto. Já cansei de sentar em cima de prego.
Não acho interessante. A gente
não tem mais maquiagem,
grandes figurinos, cenários,
efeitos. O próprio texto deixou
de ter surpresas."
Não é o caso de "Restos", dotado de uma reviravolta que,
nos momentos finais, atira no
colo do público um segredo
oculto pela cortina de fumaça.
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