São Paulo, sexta-feira, 02 de setembro de 2005

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CINEMA/ESTRÉIAS

"A Batalha de Argel" reestréia em SP e mostra união de pensamento ambicioso da esquerda e do cinema

Pontecorvo constrói libelo anticolonialista

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Nos poucos filmes que fez, o italiano Gillo Pontecorvo procurou associar cinema político e espetáculo com resultados animadores o bastante para que em seu "Queimada" (1969) tivesse como protagonista ninguém menos que Marlon Brando.
"A Batalha de Argel" não trabalha com nomes célebres, mas isso não pesa contra o resultado final. Ao contrário, com este filme Pontecorvo ganhou o Leão de Ouro de Veneza.
É verdade que "A Batalha de Argel" nunca passou pela garganta dos franceses, o que talvez se deva menos a opções estéticas do realizador do que ao fato de a Guerra da Argélia ser um assunto mais que delicado em Paris e adjacências.
Pontecorvo, verdade seja dita, não está preocupado em denegrir os gauleses. Seu negócio é demonstrar que o colonialismo é uma instituição historicamente destinada à derrota. Hoje, qualquer um se acha no direito de desfazer do determinismo histórico dos marxistas, mas o fato é que a coisa deu certinho no caso do colonialismo.
As revoltas nacionais, na Ásia e na África, venceram os colonialistas no pós-Segunda Guerra -França, Inglaterra, Portugal tiveram, cada qual a seu tempo, de enfiar o rabo entre as pernas e deixar suas colônias.
Por quê? Eis o que Pontecorvo busca explicar, especialmente na banda de som, enquanto sua banda de imagem traz o espetáculo da guerra anticolonial gloriosa. Como a França perde a Argélia, não por incompetência militar -o filme procura demonstrar o exato inverso-, mas por força de uma incontornável determinação histórica.
De certa forma, o raciocínio do filme era: se funciona com o colonialismo, funciona com o resto também. Sabemos que a segunda parte do postulado -aquela que estava nas entrelinhas, referente à conquista do poder pelo proletariado- nunca foi por diante. Mas o filme permaneceu, apesar disso, íntegro, como expressão da luta por Argel tal como vista pelos argelinos (pois o filme é uma produção argelina), mediada por um diretor italiano e esquerdista.
Íntegro, ou seja: nesse momento em que os EUA sofrem o diabo no Iraque, "A Batalha de Argel" oferece uma analogia no mínimo sedutora, em sua força didática: ocupar o país dos outros não dá pé. É, de resto, documento de uma época em que a transformação do mundo era uma ambição de esquerda e o cinema era a grande arte do século 20.
Ambos -cinema e esquerda- sonhavam alto, eventualmente juntos. Restou "A Batalha de Argel" como exemplo desse espetáculo político feito de imagens grandiosas e raciocínios sofisticados, ainda que talvez enganosos. De todo modo, algo muito mais animador do que a política do espetáculo feita de imagens banais, raciocínios rasteiros e aspirações não raro torpes -a que cotidianamente estamos expostos.


A Batalha de Argel
La Battaglia di Argeli
   
Direção: Gillo Pontecorvo
Produção: Itália/Argélia, 1966
Com: Brahim Haggiag, Jean Martin
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco 2


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