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FERREIRA GULLAR
Os chineses vêm aí
A tendência é que o número de passageiros aumente, que o número de vôos se multiplique
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EU, QUANDO jovem, achava que
avião não caía. Tanto cria nisso que embarquei, irresponsavelmente, aos 20 anos, num bimotor rumo a Amarante, no Piauí. De
São Luís até lá, naquela época e naquele bimotor, eram várias horas de
vôo, contando a descida em Teresina. Na última etapa da viagem, um
dos motores do avião tossiu, tossiu e
parou. Olhei pela janela a hélice
imobilizada, mas não me incomodei, como se aquilo fosse a coisa
mais natural do mundo, e era; uma
vez sãos e salvos, aterrissamos em
Amarante, de onde, após cruzar o rio
Parnaíba, segui para Bastos Bons.
Meses depois, finda a campanha
eleitoral -razão daquela viagem-,
fiz o mesmo trajeto, de volta, e desci
no aeroporto do Tirirical com a mesma tranqüilidade daquele índio do
Xingu que adorava viajar no avião da
Funai. Contam que, certo dia, viu lá
do alto os restos de um deles no chão
da floresta e perguntou ao piloto o
que era aquilo.
-Um avião que caiu.
-E avião cai?!, indagou o índio,
aterrorizado.
-Claro que cai.
E o índio:
-Me tira daqui! Me tira daqui!
Já eu só tomei conhecimento de
que avião caía quando perdi um
amigo que era poeta e piloto de teco-teco, mas nem por isso me tomei de
medo de voar. E isso naquela época,
quando a ciência aeronáutica ainda
não conquistara a sofisticação dos
dias atuais. No Brasil, além da Panair, havia o Lóide Aéreo, a companhia de passagens mais baratas, e foi
nele que vim. Numa viagem de dez
horas ou mais, para o Rio, que era
então a capital política e cultural do
país. Não me dava conta do risco.
Isso foi só o começo. Após alguns
anos viajando entre a praça da Cruz
Vermelha e Ipanema, um dia levantei vôo em direção à lendária Europa
e, inacreditavelmente, dei por mim
caminhando pelas galerias do Louvre, nas salas da Maison de Rodin,
Galeria Ufizzi, Palazzo Vechio... Paris, Madri, Toledo, Roma, Veneza,
Florença. Não lembro o tempo que
levei voando sobre o Atlântico, tanto
na ida quanto na volta, quando os
aviões eram bem mais lentos.
Chegou, porém, o momento em
que passei de turista a foragido, e,
tampouco na nova fase, as viagens
aéreas me deixavam tenso e preocupado. Uma bela tarde, aterrissei na
pista do Sheremetyevo, em Moscou,
nas asas da Aeroflot. A volta para a
América do Sul, até Ezeiza, quase
dois anos depois, foi demorada, mas
sem sustos. Também sem sustos foram os vôos para Santiago do Chile,
depois para Lima e finalmente para
Buenos Aires, onde me fixei. Susto
mesmo foi, em 1977, quando decidi
voltar para o Brasil: susto, não no ar,
mas em terra, no guichê de verificação de passaportes, onde estava escrito "Ferreira Gullar ou José de Ribamar Ferreira, prender".
Todo esse papo -não diria furado,
mas inflado- é para descobrir em
que momento de minha vida tomei
consciência "pânica" de que avião
cai, mas vejo que a coisa não se deu
de repente e que veio se infiltrando
em minha consciência, até a recente
viagem a Madri quando só não me
joguei para fora da aeronave porque,
felizmente, não havia como.
Mas nem por isso -ou talvez mesmo por isso- deixo de pensar no futuro que vos espera, já que estou fora
dessa. É gente demais viajando de
avião! Só no aeroporto Heathrow, de
Londres, passam 70 milhões de passageiros por ano... Os aeroportos
crescem sem parar, a tal ponto que,
em alguns, não dá para se deslocar a
pé, usam-se viaturas. Vão se tornando microcidades, de trânsito e tráfego intensos. Porque o número de
vôos aumenta a cada dia, as pistas de
pouso crescem em número e tamanho. Em alguns aeroportos, o avião,
depois de pousar, leva meia hora para chegar à estação de desembarque.
Recolher a bagagem é outro sofrimento. Depois de passar horas
voando, o passageiro, exausto, tem
que esperar às vezes uma hora ou
mais para pegar as malas, isso se nenhuma delas se perdeu no caminho.
É que há gente demais viajando, bagagens demais sendo transportadas,
e a infra-estrutura dos aeroportos
não tem como dar conta da tarefa.
A tendência é que o número de
passageiros aumente ano a ano, que
o número de vôos se multiplique para poder transportá-los. E que atrasos e acidentes também se multipliquem. Já hoje todo e qualquer aeroporto é estressante. Se não é o caos
aéreo do Brasil, é o medo dos terroristas que obriga o exame minucioso
das bagagens e dos passageiros, que
têm de tirar até o cinturão das calças. A possibilidade de explodir uma
bomba em pleno vôo acaba com o
bom astral de qualquer turista.
Já imaginou quando uns 500 milhões de chineses começarem a fazer turismo também?
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