São Paulo, quinta, 2 de outubro de 1997.




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Haroldo de Campos se vê em "Fausto"

enviado especial ao Rio

Fausto é um mito das antigas. A lenda do homem que faz um pacto com o demo surgiu no século 16 -Erwin Theodor afirma que, entre 1480 e 1540, viveu, na Alemanha, um indivíduo de "duvidosa reputação" de nome Georg Faust.
Era o tempo das Reformas, de Nicolau Copérnico, de um mundo em crise. Vieram, depois, o Fausto de Christopher Marlowe, de Lessinng e o mais notório deles, o de Goethe.
Em 1952, o crítico, ensaísta, tradutor e poeta Haroldo de Campos escreveu sua versão do mito, "Graal: Retrato de Um Fausto Quando Jovem".
É o ano em que ele, seu irmão Augusto de Campos e Décio Pignatari formaram o grupo Noigrandes, abrindo campo para o movimento da poesia concreta.
Na verdade, Haroldo não disse isso, nem Gerald Thomas confirmou. Mas dá para arriscar: "Graal" é Haroldo de Campos a escolher entre dois caminhos, o do previsível e o da vanguarda, conforto se contrapondo com idealismo, a norma em guerra com o futuro.
Em tal encruzilhada, está um comerciante a oferecer dinheiro e dinheiro a Graal (Fausto), vivido por Bete Coelho.
Tensão
Uma constante tensão ronda o espetáculo. Burocratas (ou jornalistas ou vendedores de uma loja de departamento) estão com blocos de anotações controlando arquivos (ou notícias ou estoques).
São vigiados por um ser dominador, que invade a cena e agride aquele que errou. Tal ser manca, fuma, lembra o próprio diretor Gerald Thomas, ou Antunes Filho, ou é apenas um guru, o ideal.
A arte proposta por Thomas e Haroldo é múltipla, dessacralizada. Interpreta-se como quer. Palavras são diamantes, com diversas faces e que, sob a luz, geram um arco-íris.
Ambos estão há anos em guerra com os manuais, as limitações impostas pelo dito gosto popular. Ambos viveram intensamente a opção do rompimento, de decompor para compor.
Graal, ao nascer, diz: "Eu me repito, um sopro nas tumbas do tempo". Fausto é um mito que não morre.
"Detesto as poesias vivas e as línguas mortas", diz o comerciante. "Diamante é diamante, só me interessam os negócios", completa.
Lúcifer tenta corromper Graal. Existe este caminho, o de fazer arte comercial. Existem as palavras fáceis, os truques.
"Eles te repudiam, não te reconhecem, ouve a vox populi, vê se há lugar para ti?", pergunta o cão.
Diante do público, Graal se define. "Eu não faço, eu me em si mesmo, em mim eu mesmo", diz solenemente, encontrando seu caminho. (MRP)

Peça: Graal: Retrato de Um Fausto Quando Jovem Quando: hoje, sexta e sábado, 21h; domingo, 19h; segunda a quinta, 12h30 e 21h Onde: Teatro Carlos Gomes (praça Tiradentes, 19, centro, Rio de Janeiro, tel. 021/232-8701) Quanto: R$ 12 (estudantes, idosos e classe pagam meia)


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