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LIVROS
"Buenos Aires olha para o século 20"
Estrela da Feira de Frankfurt, na Alemanha, Beatriz Sarlo diz que São Paulo representou sua ideia de
modernidade
Nestor Garcia/"Clarín"
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A escritora argentina Beatriz Sarlo, que é uma das convidadas de honra do evento literário alemão e lança no Brasil a obra "Modernidade Periférica"
MARCOS FLAMÍNIO PERES
DE SÃO PAULO
Buenos Aires perdeu o
bonde da história. Sim, ainda
é relativamente segura e homogênea, dispõe de bom
transporte público e de uma
vida cultural vibrante. Mas
ninguém olha para ela enxergando o futuro, mas apenas o
século 20.
É o que defende Beatriz
Sarlo, a mais influente intelectual argentina e uma das
estrelas da maior feira de livros do mundo, que começa
na quarta-feira em Frankfurt.
Ela está lançando no Brasil
"Modernidade Periférica",
um retrato do processo de
modernização por que passou o país nos anos 1920-30.
Mas sua tese mais forte,
desenvolvida a partir dos escritos do crítico brasileiro Roberto Schwarz, é de que a capital portenha foi o epicentro
de uma "cultura de mescla"
em todo o continente.
Assim, por trás do surto
imigratório, de urbanização
intensa, alfabetização em
massa e crescimento da mídia impressa se escondia
uma contradição de fundo
-a inadequação entre ideias
importadas da Europa aclimatadas à força em um ambiente político, cultural e social que lhe era estranho.
Sarlo também bate pesado
na tentativa da presidente
Cristina Kirchner de cercear a
atuação do grupo Clarín, o
maior de mídia do país.
O governo, diz ela, "não teve problemas com grupo enquanto este era seu aliado. Só
passou a chamá-lo de monopolista quando perdeu seu
apoio, em 2008".
Folha - Por que tantas semelhanças entre Buenos Aires e
São Paulo nos anos 1920-30?
Beatriz Sarlo - Uma das experiências da modernidade
que mais me marcou foi ter
chegado a São Paulo em
meados dos anos 1960. Era
apenas uma estudante e ainda não conhecia Nova York.
São Paulo me pareceu a "verdadeira" cidade moderna.
Também me parecia que,
como gesto vanguardista, de
performance estética e moral, São Paulo tinha caráter
mais de ruptura, menos comprometido com a tradição.
A "cultura de mescla" a que a
sra. se refere pode definir toda a América Latina -e não só
a cultura argentina?
Define todo o continente,
sem dúvida, com mostram os
estudos pioneiros de Antonio
Cornejo Polar (para a cultura
andina), Ángel Rama (para
toda a América), Octavio Paz
e Roger Bartra (México) e Antonio Candido (Brasil).
O que Roberto Schwarz assinalou no ensaio "As Ideias
Fora do Lugar [em "Ao Vencedor as Batatas", ed. 34], é
importante para articular
melhor a questão da mescla
cultural. Em cada região da
América Latina, as ideias europeias de misturam dentro
de marcos culturais e sociais
diferentes.
A Argentina era uma república liberal, governada por
elites oligárquicas que, diferentemente do Brasil, aboliu
a escravidão em 1813.
Dessa república foram excluídos os povos americanos, que tiveram suas terras
expropriadas.
Dizer "cultura de mescla"
não significa muito se não se
precisar que elementos se
mesclam e em que contextos
político-ideológicos.
Onde Buenos Aires se situa na
América Latina atual?
Não é uma cidade globalizada do futuro; é uma grande
cidade do presente. Não tem
a vitalidade e a desordem da
Cidade do México nem a exuberância capitalista de São
Paulo nem o apelo modernista de Brasília.
É relativamente homogênea, com grande presença de
classe média e razoável
transporte público. Culturalmente, é vital e de reflexos rápidos. Mas esses são traços
de uma modernidade tardia,
que remetem mais ao século
20 que a utopias ou distopias.
Como se articulava a relação
entre campo e cidade?
O país cresceu devido às
vantagens comparativas para a agropecuária. As terras,
extensas, planas e muito férteis, não precisavam de grandes investimentos nem de
trabalho intensivo. Daí o
crescimento populacional
ter ocorrido sobretudo nas
áreas urbanas.
Além disso, os latifúndios
agrários impediram que boa
parte dos imigrantes se instalasse no campo.
Como aquela época prefigurou a Argentina atual?
A Argentina do século 20
foi marcada por golpes de Estado. Julgava-se que ocorreria a dissolução da nação caso não se reprimissem aquilo
que se chamava na Europa
de repúblicas de massa.
Jornais e revista foram fundamentais para a modernização
da sociedade da época. Como
vê hoje o embate entre o governo Kirchner e a mídia?
O êxito do processo de alfabetização, que ocorreu
muito cedo nas cidades, proporcionou à imprensa e à indústria cultural um público
capacitado, produzindo um
círculo virtuoso.
Hoje, os jornais impressos
perderam para a internet
centenas de milhares de leitores, e suas versões digitais
incorporam formatos novos
-blogues, fóruns, chats, comentários de leitores, links
para o Facebook e Twitter.
Contudo, a agenda ainda
se fixa na versão impressa (lida pelas elites) e daí rebate
nas outras plataformas.
Quanto ao atual conflito
com a imprensa, minha opinião é de que os grandes jornais não devem controlar canais de TV. Essa concentração vertical está proibida em
países como os EUA, que vigiam atentamente a liberdade de informação.
MODERNIDADE PERIFÉRICA
AUTOR Beatriz Sarlo
TRADUÇÃO Júlio Pimentel Pinto
EDITORA CosacNaify
QUANTO R$ 55 (480 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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