São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Castello narra conflitos entre pai e filho à sombra de Kafka

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Segundo romance de José Castello, "Ribamar" dá a ficha logo de saída: trata-se de um livro sobre a relação entre pai e filho escrito à sombra da "Carta ao Pai", de Franz Kafka, um devastador acerto de contas com a figura tirânica de Hermann Kafka.
O narrador de "Ribamar" parte de uma dupla identificação com Kafka. Por um lado, pinta a si mesmo como um parente distante do anti-herói de "A Metamorfose": "Sou uma barata que se esquiva pelo vão da porta. Sou Gregor Samsa, a rastejar em meu quarto".
Por outro, responde à aversão que sente provocar no pai com uma escrita igualmente aversiva (dispositivo fundamental na prosa kafkiana). Ao relembrar os momentos terminais de Ribamar, descreve com impiedade: "Não vou adoçar nada: seu corpo, murcho e disforme, me enoja".
O romance é narrado em diferentes planos temporais, deflagrados pelo episódio em que um amigo do narrador encontra, num sebo, uma edição da "Carta ao Pai" que este dera de presente a Ribamar -e que seu pai, como o de Kafka, desprezara.
Os capítulos se alternam entre lembranças da infância, uma viagem que o narrador faz ao Piauí, para exumar a história familiar, e meditações sobre o próprio livro, que assumirá a forma de uma carta ao pai defunto.
Tais sequências seguem estrutura rigorosa: cada tema corresponde a uma nota da canção de ninar "Cala a Boca", com a qual o pai embalava o sono do filho -e cujo título é uma metáfora de silêncio e estranhamento.
Se esse esquema lembra "Avalovara", de Osman Lins, o que lateja em "Ribamar" é a escrita de quem confronta seus fantasmas para se reconciliar com eles: "O medo de falar da semelhança confirma a semelhança. (...) A filiação, mesmo a mais odiosa, é uma inclusão".

RIBAMAR

AUTOR José Castello
EDITORA Bertrand Brasil
QUANTO R$ 37 (280 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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