São Paulo, sábado, 02 de novembro de 2002

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Saramago lança "O Homem Duplicado", em que busca o encontro com o outro

Dublê de corpo

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

José Saramago, persona pública, já havia evocado Tertuliano uma vez. Citando esse pensador do cristianismo nascente, escreveu em um artigo no início do ano: "Foi Tertuliano quem disse: 'Creio porque é absurdo'". E arrematava: "Em matéria de crença no absurdo ainda não saímos do terceiro século da era Cristã".
Chegou a hora do Nobel de 1998 colocar seu Tertuliano em ação. Tertuliano Máximo Afonso, protagonista de seu novo livro, "O Homem Duplicado" (que a Companhia das Letras lança na quarta-feira), é um professor de história que se vê às voltas com um duplo: um homem idêntico a si.
Como o Tertuliano ancestral, na busca por sua identidade esse também mergulha no absurdo.
Em entrevista dada por e-mail para a Folha, o escritor português, que completa 80 anos no próximo dia 16, conta por que sua identidade também está no duplo. Saramago não encontrou seu sósia, mas segue buscando na literatura o encontro com o outro.

Folha - O sr. escreve em "O Homem Duplicado", como fizera em "Todos os Nomes", uma história de busca de identidade. Sua literatura é sua busca pela identidade?
José Saramago -
Não procuro minha identidade por meio da literatura, sei mais ou menos quem sou. Preocupa-me, sim, o outro, e essa preocupação é uma constante no meu trabalho de escritor, talvez por ser uma preocupação na minha ação como pessoa.

Folha - O sr. volta com "O Homem Duplicado" a uma questão importante em outras obras suas, a da importância das palavras e dos nomes para as coisas que elas nomeiam. Por que as questões nominalistas lhe são tão caras?
Saramago -
Uns chamam-se Cassiano, outros José. Todos precisamos de um nome, embora seja certo que, hoje, mais importante que o nome é o número do cartão de crédito. Nomes são uma espécie de bússola para reconhecer o mundo e o que nele vive e está. Há ocasiões em que até nos perguntamos se seríamos outros se nos tivessem posto outro nome...

Folha - Em outros livros, como neste, o sr. já tinha usado um narrador que, apesar de onisciente, dá pistas de que não consegue ter domínio total dos personagens. Há quem chame recursos assim de literatura pós-moderna. O que o sr. pensa do pós-modernismo e até que ponto se considera um escritor a quem se possa colar esse rótulo?
Saramago -
A mim podem-me pegar todos os rótulos que quiserem. Quantos mais melhor, porque isso quererá dizer-me que não sabem muito bem onde situar-me. Um dos males da nossa época, nisto de literatura e artes, é a facilidade com que se rotula. Quanto ao pós-modernismo, não é de agora: leia-se "Jacques le Fataliste", de Diderot, do século 18.


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