São Paulo, quarta-feira, 02 de novembro de 2005

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29ª MOSTRA DE CINEMA

Após o êxito de "Nove Rainhas", filme de 2000, o diretor argentino Fabián Bielinsky lança "policial anômalo", que envolve crime, epilepsia e uma caçada na Patagônia

O dia da caça

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O argentino Fabián Bielinsky, 46, estreou no cinema dando as cartas. Seu primeiro longa, "Nove Rainhas" (2000), fez tanto sucesso que chegou a ser refilmado nos EUA (como "171", em 2004).
A versão norte-americana do filme em que dois pequenos vigaristas (Gastón Pauls e Ricardo Darín) tentam seu grande golpe -roubar o valioso selo "Nove Rainhas"- fracassou.
Melhor para Bielinsky. A expectativa pelo seu segundo título só aumentou, durante os cinco anos de espera, encerrados em setembro passado na Argentina, com o lançamento de "El Aura" (a aura). Na Mostra de São Paulo, o filme tem hoje sua última exibição.
O novo longa de Bielinsky foi selecionado pelo país vizinho para a corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. Tenta uma vaga entre os cinco que disputarão a estatueta, assim como o Brasil espera classificar "2 Filhos de Francisco", de Breno Silveira.
"El Aura" é um filme tão peculiar que os críticos titubearam na hora de encaixá-lo num gênero cinematográfico. "Até para mim é difícil classificá-lo", diz Bielinsky. "Há elementos de policial, mas estão colocados de forma estranha, dispersa, e o ritmo não é o habitual do gênero", cita, com razão.
Por enquanto, a definição que mais agrada ao diretor é a de "policial anômalo". Aliás, na trama e nos personagens de "El Aura", "anomalias" não faltam.
O protagonista, vivido por Darín, não tem nome. Ou melhor, não que se saiba. Com a omissão, Bielinsky quis criar um paralelo entre a situação do espectador -"pessoas que olham no escuro"- e a trajetória do personagem na trama. "Ele percorre a história sem deixar marcas, pegadas. Achei interessante que ele nunca dissesse seu nome e que ninguém o mencionasse."
"Ele" trabalha como taxidermista, portanto, de certa forma, especialista em falsear a morte. Após ser abandonado pela mulher, aceita o convite de um amigo para escapar de Buenos Aires num fim de semana prolongado, indo caçar na Patagônia -em princípio, animais.
Aos poucos, "ele" percebe que há um plano criminoso em curso no chalé em que se hospedaram. Outra anomalia: o dono do local espanca a mulher, 30 anos mais jovem. O amigo "dele" fazia o mesmo em sua casa.
Enquanto observa, de tempos em tempos, "ele" tem a percepção da realidade alterada. São os instantes que precedem suas convulsões epilépticas. É o momento que ele define como "a aura".
Não há dúvida: o segundo filme de Bielinsky não tem parentesco com o primeiro. "Talvez até pelo fato de que havia tanta expectativa [sobre o sucessor de "Nove Rainhas'], eu tenha feito um filme na direção oposta", diz.
O cineasta afirma que, com a mudança, desejava escapar de rótulos e embaralhar as expectativas sobre seus filmes seguintes. "Não quero ficar preso a um só tema ou tipo narrativo." O que Bielinsky gostaria é que, a partir deste momento do "jogo", "ninguém espere nada". O ideal do diretor para seu terceiro filme seria que "as pessoas apenas se sentassem no cinema e dissessem: será como "Nove Rainhas'? Como "El Aura'? Ou como só Deus sabe?".
Da parte dos críticos, ele diz não esperar mais unanimidades. "O sucesso de "Nove Rainhas" não é algo a que deva me acostumar. Um filme que agrada a quase todo mundo é estranho no cinema."
Na crítica argentina, "El Aura" teve mais adeptos do que vozes contrárias. Mas essas também se fizeram ouvir. Normal, sobretudo para um filme anômalo.


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