São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

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Xii...deu errado!

Livro reúne histórias de erros inconfessáveis e desastres culinários vividos por 41 chefs do Brasil e do exterior

Bruno Miranda/Folha Imagem
O chef Rodrigo Martins revive o dia em que o molho da carne foi parar onde não devia: no chão


JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Armazenar lagostas em caixas de isopor fechadas dentro da geladeira é um erro tão primário que só poderia ser atribuído a alguém sem qualquer noção sobre cozinha e conservação de alimentos, certo? Não exatamente.
O autor de tal erro é incensado como o chef mais criativo e talentoso dos últimos tempos: o catalão Ferran Adrià, do El Bulli. Nem todo o seu apuro técnico foi capaz de livrá-lo de uma situação catastrófica.
Na manhã de um jantar que faria para 3.200 pessoas, ele descobriu que as lagostas do prato principal estavam vencidas. Haviam sido limpas e guardadas na geladeira, mas em recipientes de isopor fechados, ou seja, completamente isoladas do frio. O resultado? Mil lagostas estragadas. A solução foi recorrer a todos que pudessem ter um estoque do crustáceo, mas o máximo que conseguiu foram 500 lagostas. Teve então de reduzir a porção de três para dois pedaços por prato.
Essa é a primeira de uma série de divertidas histórias compiladas em "Chame o Chef!", livro dos norte-americanos Kimberly Witherspoon e Andrew Friedman cuja edição brasileira, publicada pela Ediouro (R$ 40), é da jornalista Luciana Fróes.
O maior mérito da obra foi o de fazer com que grandes nomes da gastronomia mundial concordassem em expor publicamente erros vexatórios e situações difíceis de admitir. A lista de desastres culinários agrupados é extensa: alguns divertidos, outros dramáticos; alguns com um final feliz, outros um completo desastre.
"A idéia apareceu no meio de uma noite insone -o título irrompeu na minha cabeça ["Don't Try This at Home']. De manhã, liguei para o chef Anthony Bourdain para perguntar se ele aceitaria dividir uma história de um momento catastrófico de sua carreira. Ele riu, disse que certamente poderia e que tinha certeza de que outros chefs também aceitariam", conta Witherspoon, em entrevista à Folha, por e-mail. "Inicialmente, estávamos preocupados que os chefs pudessem ser contidos. Ficamos contentes quando descobrimos que eles saborearam a oportunidade de dividir estas "gafes"."
A pedido da Folha, alguns chefs também compartilharam suas saias justas.

Molhos e drogas
Mais que talento e conhecimento técnico, o que pesa em situações extremas é ter jogo de cintura e sangue frio. Foram essas qualidades que livraram o chef Rodrigo Martins, do Pomodori, de arruinar, no último minuto, um jantar para seis pessoas na casa de um cliente.
"Fiz um menu com seis pratos. O último era um carré de cordeiro finalizado com um molho que passei a tarde inteira preparando. Quando a carne já estava no prato, a panela do molho caiu no chão. Fiquei olhando sem saber o que fazer: se eu raspava e colocava de volta na panela ou o quê. Achei no freezer um blend de frutas vermelhas e uma geléia. Juntei tudo, rezei e servi. Todo mundo adorou e quis a receita", diz.
Convidado a fazer jantares gourmet num hotel de montanha, o chef Mauro Maia, 50, do Supra, tentou se precaver: foi conhecer a cozinha antes, passou uma lista de equipamentos que deveriam ser comprados e treinou o cozinheiro do hotel. Em vão: os utensílios não chegaram em tempo (ele teve de usar um jogo de panelas domésticas e cozinhar em várias etapas); o cozinheiro do hotel fazia de tudo, até decorar o salão do restaurante, menos o que competia a sua função (nem a pele do leitão para fazer pururuca ele tirou). "Aconteceu tudo errado, mas deu razoavelmente certo. Nunca mais faço nada sem minha equipe."
No caso do chef Paulo Barros, 33, do Due Cuochi Cucina, foi a combinação cozinha-drogas-funcionários a fonte de problemas. Na temporada que passou em Miami, viu um cozinheiro ter um ataque no meio da cozinha depois de cheirar cocaína e, em outra ocasião, descobriu que o barman estava vendendo maconha dentro da casa. "O Baraboo era um restaurante que tinha um conceito de entretenimento. Um dia descobri que o barman, um italiano que fazia malabares, estava vendendo maconha no restaurante. E pior: pesava a droga na balança da confeitaria. Saímos na mão, e os clientes acharam que fazia parte do show."
Às vezes, quem não coopera é a louça. A chef Bella Masano, do Amadeus, custou a descobrir que o prato de pigmentação vermelha sempre quebrava quando submetido a altas temperaturas. "Tínhamos uma mesa de oito pessoas, estávamos com tudo pronto e eu perdi tudo porque o prato da rã estourou ao sair do gratinador. Tive de segurar os outros pratos e começar a mesa do zero."

Cabrito voador
Mas as catástrofes não se limitam ao âmbito da cozinha. O salão é, por natureza, um ambiente propício para situações embaraçosas. Há seis anos, quando ainda era maître do Gero, Juscelino Pereira quase foi alvo de um "cabrito voador".
Era um domingo de casa cheia e longa espera. Enquanto uma família aguardava a mesa ser desocupada, o marido se dirigiu ao bar e pediu um uísque. "Passado o tempo previsto, ele já estava bêbado e queria que a mesa estivesse pronta naquele momento. A cada cinco minutos, fazia um escândalo e me chamava de incompetente", conta o hoje dono do Piselli.
Para ganhar tempo, Pereira tirou os pedidos. Nesse meio tempo, a mesa ficou pronta, e a família, envergonhada, se acomodou. "O marido continuou no bar, bufando e xingando. Pediu para colocarem o cabrito dele na mesa, mas não foi sentar. A família almoçou, pagou a conta e saiu. Ele levantou do bar, pegou o prato e veio na minha direção. Vi que ele ia jogar o cabrito em mim, mas consegui segurar o punho dele e pegar o prato antes de ele voar na minha direção. Subi nas nuvens, vi estrelas, suei frio", conta.


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