São Paulo, sexta-feira, 02 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Herbie Hancock relê Joni Mitchell

Com versões para a obra da canadense, pianista lidera a parada de jazz nos EUA

Hancock já fez adaptações para o jazz de artistas do pop, mas diz que, dessa vez, o foco não é na melodia, e sim na poesia das letras

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Três décadas atrás, o pianista Herbie Hancock se surpreendeu ao ser convidado pela cantora e compositora folk Joni Mitchell a gravar com ela um disco inspirado no jazz de Charles Mingus. Desta vez foi ele quem surpreendeu a canadense ao lançar o álbum "River: The Joni Letters", com versões jazzísticas de suas canções.
"Antes eu não ligava para as palavras, para os versos das canções, mas ao fazer este álbum realmente comecei a prestar atenção nelas. Acho que abri um novo canal criativo", disse Hancock, um dos músicos mais cultuados do jazz pós-anos 60, falando à Folha por telefone, de Los Angeles.
"River" destaca criativas releituras de oito canções de Joni Mitchell. Os vocais foram entregues aos cantores Tina Turner ("Edith and the Kingpin"), Leonard Cohen ("The Jungle Line"), Corinne Bailey Rae ("River"), Norah Jones ("Court and Spark") e Luciana Souza ("Amelia"). A própria compositora regravou sua antibelicista "Tea Leaf Prophecy".
O hit "Both Sides Now" e "Sweet Bird" aparecem em versões instrumentais bem livres, com Hancock à frente de um quinteto de feras do jazz formado por Wayne Shorter (sax tenor e soprano), Dave Holland (baixo), Lionel Loueke (guitarra) e Vinnie Colaiuta (bateria). O repertório inclui também versões de dois clássicos do gênero: "Nefertiti" (de Shorter) e "Solitude" (Duke Ellington).
"Joni escreve maravilhosas melodias e harmonias, elementos que eu sempre procuro em uma canção para me decidir a tocá-la. É por isso que gosto tanto de "Both Sides Now'", comenta Hancock, explicando por que decidiu alterar os acordes dessa canção ao gravá-la.
"Ela fala de como nossa percepção do que é ou não importante muda com o tempo. Quando somos jovens achamos que sabemos tudo; mais tarde, percebemos que sabemos muito pouco. É uma canção sobre a capacidade de ver as coisas de uma maneira nova. Por isso me senti à vontade para re-harmonizá-la", justifica.
Esta não é a primeira vez que Hancock lança um álbum de jazz com releituras de canções do universo pop-rock. Em "The New Standard" (1996) gravou versões de artistas como Prince, Kurt Cobain, Stevie Wonder, Paul Simon e Peter Gabriel, entre outros.
Mas o pianista acha que em "River" sua abordagem é diferente. "Naquele álbum eu não estava interessado nas letras das canções, e sim nas melodias, nas harmonias e no que podia fazer com elas. Já as canções de Joni giram em torno das letras. Antes de tudo ela é uma poeta, uma grande poeta", compara. Hancock se lembra de sua surpresa ao ser procurado pelo baixista Jaco Pastorius, em 1978, para convidá-lo a participar das gravações do álbum "Mingus". "O quê? Joni Mitchell com Charles Mingus?", duvidou. Também custou a acreditar quando a compositora lhe disse, já no estúdio, o que esperava dele, de Pastorius e do saxofonista Wayne Shorter.
"Joni queria algo bem solto. Fiquei muito surpreso ao saber que ela esperava que tocássemos com a mesma liberdade que já tínhamos explorado em trabalhos com Miles Davis ou com a banda Weather Report", relembra o pianista.
E como Hancock viu o retorno de Mitchell ao estúdio com o recém-lançado álbum "Shine"? "Fiquei muito contente por ela ter repensado a decisão de se afastar da cena musical. "Shine" é um disco muito interessante, e que as pessoas vão ouvir por muito tempo. Acho que Joni descobriu um novo som nesse trabalho", conclui.


RIVER: THE JONI LETTERS
Artista:
Herbie Hancock
Gravadora: Verve/Universal
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: bom


Texto Anterior: Clipe tem direção de Kusturica
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.