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O ouro do mundo é hoje o audiovisual
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Não dá mais para segurar. Se
o Brasil não se adaptar aos novos tempos "audiovisuais",
corre o risco de virar um país
sem espelho. A violenta onda
de imagens que o mundo está
propagando pode nos transformar em passivos repetidores de
emissões alheias.
O espantoso é que o governo
ainda não entendeu direito a
importância real do audiovisual. A nova lei foi boa, mas
agora, com os cortes de incentivos que virão, perderá provavelmente a força que fez nascer
vários filmes novos. Tudo bem
que tem de fechar as contas do
Brasil e cortar incentivos. Se
for para salvar o Brasil, dane-se o cinema! Só que o raciocínio do governo continua
agropastoril, de mecenato,
protetivo, culturalista e apequenado de visão.
O audiovisual não é só dinheirinho para fazer filmes. É
muito mais que isso. Aqui entram filmes estrangeiros, vídeo, programas de TV e publicidade sem nenhum, nenhum
imposto de importação. Será
que o governo não sabe que filme impresso (esse lixo importado que nos infesta) não paga
imposto nenhum, mas que filme "virgem" tem de pagar?
"Por quê?", perguntarão os
idiotas. Porque pela lógica da
dominação é preciso que a
gente assista a filmes estrangeiros livres de impostos e que
pague caro pelo filme "virgem" para fazer os nossos. Isso
é artigo pétreo do Gatt (Acordo Internacional de Tarifas)
há mais de 30 anos. Não
adianta cortar incentivos de
US$ 60 milhões por ano, que é
o que gastamos em 96-97, e
deixar sangra pelas nossas
fronteiras US$ 2,5 bilhões de
royalties e de "fees" para assistirmos a essa maçaroca anticivilização que nos deturpa.
Não adianta cortar incentivos de filmes que geram emprego, novos impostos, novos
lucros, giros, festivais, vendas
internacionais, cultura popular se a sangria de verbas é
imensa e crescente. Dentro de
alguns anos, estaremos pagando US$ 10 bilhões para virarmos macacos de auditório do
delírio americano.
Na Espanha, os estrangeiros
têm de produzir. Na França,
há cota de telas. Aqui, nada.
Estamos bobeando como compradores e como produtores. O
mundo precisa de nossa produção de cinema e TV. Basta
ligar a TV a cabo e ver a demanda crescente por imagens.
Alimentar estas bocas-de-fogo
dos satélites, "cables" e TV
paga do mundo inteiro não é
fácil.
Mas no Brasil existe a crença
de que audiovisual é coisa
"mole", "soft", abstrata, supérflua, preconceito herdado
dos tempos do rádio, dos tempos do beletrismo acadêmico.
A indústria do audiovisual é
poder, governantes! Audiovisual é hoje uma das indústrias
mais fortes do universo, controlando corações e mentes e,
mais que isso, vendendo produtos (basicamente americanos) para o mundo.
Vamos agir, nem que seja, ao
menos, para deter a sangria de
dólares desta hemorragia endividada a que se dá o nome
de Brasil. Será que ninguém
saca isso? Será que o governo
acha que os cineastas querem
apenas "um tutuzinho para
fazer filminhos, senão eles gritam no jornal, e então tem de
dar uma graninha para esses
chatos ficarem quietos"?
Até tem uns babacas assim, é
verdade, mas o importante é o
Brasil perceber que precisa do
audiovisual como precisou da
siderurgia há 60 anos, que o
ferro, o aço do mundo hoje é o
audiovisual. A visão puramente poupadora, "restritiva"
não basta. Precisamos de uma
política cultural protetiva, pois
não podemos continuar nesta
sangria desatada de divisas,
cortando gastos de esparadrapo enquanto o sangue jorra
aos bilhões.
A política de contenção de
incentivos é correta, mas deve
atacar grandes alvos. Por que
não se acaba com a pavorosa e
corrupta Zona Franca e outros
terríveis sangradouros? Isso
ninguém faz. Amazoninos, mirandas e barbalhos não deixam.
Cinema pode cortar. Cineastas estão acostumados a esta
vida feita de dois sentimentos
básicos e oscilantes: ansiedade
e frustração. Há 30 anos eu assisto a esta inana: um bando
de trágicos artistas tentando
fechar uma equação, sob promessas espasmódicas do governo impotente diante do capital
externo.
Já conquistamos o "mercado" várias vezes, como nos
anos 70, mas eles (os gringos)
vêm e estragam tudo. A lógica
mercantil da dependência se
impõe logo, logo, seja por um
golpe de Estado, seja por inflação, por delírios políticos como
foi Collor, seja por "crashes"
internacionais reguladores de
nossa situação de dependentes.
"Voltem para suas senzalas,
escravos!", é o que nos dizem
as Bolsas, depois de algum
tempo de ilusório progresso.
O Brasil tem de entender que
o audiovisual fraco é a morte
da alma do país. Se não for feita uma reforma fiscal nestas
importações sem taxas, nesta
invasão psíquica, terminaremos sem boca, só com olhos e
ouvidos.
Há 30 anos, só tínhamos
quatro ou cinco câmeras no
Brasil. Éramos um grande país
sem rosto. Hoje, ao contrário,
temos rostos demais nos
olhando. O Brasil continua
miserável como nos tempos do
cinema novo, só que agora sua
miséria (ou sua "pós-miséria"?) se esconde numa superpopulação de estímulos visuais, nos mil olhos do audiovisual mundial. O excesso nos
dá uma impressão de abundância.
Mas é miséria, miséria disfarçada, barbárie travestida de
civilização. É a estupidez voraz e imperialista, escondida
atrás do "progresso tecnológico". Nunca o cinema americano foi tão caro, tão tecnicista e
tão ruim. Saudades de Kubrick, Fuller, Hawks, Ford. O
que contribui hoje o cinema
americano para a arte ou para
a consciência do mundo? Pula
à vista a monotonia dramatúrgica dos filmes, todos com a
mesma receita narrativa, desde os draminhas existenciais
doces e até a violência dos efeitos especiais.
Todos têm a mesma "missão" de nos fascinar com o
mal para nos vender um
"bem". Um "bem" que é
apenas o elogio de uma esperançazinha de redenção e felicidade vagabunda dentro do
sistema global-americano de
viver.
Um cinema brasileiro forte e
co-produzindo com as redes de
TV poderá criar um produto
cultural diferenciado, deixando clara a nossa "latinidade". E não venham defender
ingenuamente um "internacionalismo liberal" que nos
apassiva. Globalizar não é perder a alma.
P.S.: Com "estresse" de Brasil,
tiro férias. Só volto em janeiro.
Beijos aos que fazem o favor de
me ler.
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