São Paulo, sábado, 02 de dezembro de 2000 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS "EM BUSCA DO POVO BRASILEIRO" O ocaso do patriota romântico GILBERTO VASCONCELLOS ESPECIAL PARA A FOLHA Nesta oportuna enciclopédia política e cultural dos anos 60 em diante, "Em Busca do Povo Brasileiro", encontrar-se-á de tudo: do underground Luís Carlos Maciel ao príncipe da grana Fernando Henrique Cardoso. Então cabe ao desocupado leitor escolher o que lhe interessar e, assim, curtir a reflexão. O romantismo de esquerda, ou senão a esquerda como categoria romântica, atravessa a obra ou a militância de todos os artistas e intelectuais, seja um Ferreira Gullar, um Nelson Pereira dos Santos, um Mário Pedrosa, um Glauber Rocha etc. Anticapitalista em sua essência, o romantismo odeia a existência do dinheiro, mas resta a dúvida se é contra o dinheiro falso ou o verdadeiro. O marxismo no Brasil está fadado ao diálogo com o nacionalismo, hoje mais do que nunca. Impressionou-me o fracasso da utopia caparaó relatada por Antonio Callado sobre a resistência armada brizolista no interior do Brasil, embora na iconografia contida no livro do professor Marcelo Ridenti não tenha deparado com nenhuma foto godardiana de Leonel Brizola, quem primeiro comandou a investida armada contra o regime militar, tido como -vá lá a anfibológica palavra- "populista". O autor queima a mufa dedicando dois capítulos a Chico Buarque e Caetano Veloso, embora a verdadeira urdidura simbólica da esquerda dos anos 60 esteja no quarteto Brizola, Callado, Darcy e Glauber. O problema é que a sequência do "Quarup" à guitarra pop dá força ao mito guerrilheiro de Che Guevara em detrimento da lenda caudilha de origem castilhista. "Quarup", de Callado, é o antropólogo Darcy Ribeiro no meio dos índios, visto pela ótica do Antônio's, o bar carioca que reunia Roniquito e Carlinhos de Oliveira. A identidade nacional do povo brasileiro está na sua condição de povo novo (antes de aqui aportar o português já tinha dado a volta ao mundo antigo), que vai além da jangada afro-branco-indígena. É difícil admitir que a esquerda dos anos 60 fosse nostálgica a fim de uma sociedade pré-capitalista. O povo novo precisa demasiadamente do passado, mas o nosso barato não se encontra no passado. Como dizia Darcy Ribeiro, estamos compelidos ao futuro. Mesmo a noção de "futuro da nação" entrou em pânico com a internacionalização privatista de FHC. Não faz sentido a miragem da regressão pré-capitalista. A praia de Porto Seguro já era o Tijuco de Karl Marx em "O Capital". O cineasta Glauber Rocha preferia José de Alencar a Machado de Assis. Por uma questão energética, porque o romantismo brasileiro havia inventado a clorofila do verde-e-amarelo. A palavra de ordem desde 1965 é "Deus ou dólar na terra da água". Essa tradição revolucionária dos românticos nacionalistas de esquerda é perfeitamente capaz de sincronizar o radical patriota com internacional proletário. O professor Marcelo Ridenti tem razão em apontar o pêndulo Brizola-Brasil e FHC-mundo como o dilema ideológico do nosso tempo, ainda que tal antagonismo não seja apercebido nem pelos eleitores nem pela intelectualidade acadêmica influenciada pelo tropicalismo virtual de mercado. Vivemos atualmente o modelito "angloianquinformático", com a derrota do romantismo de esquerda e, ao mesmo tempo, a metástase do cinismo aestético, ou seja: o desdobramento cultural da videoesfera colorida de 1989. O problema dessa democracia é que a superação da esquerda romântica não se materializa em nenhum lugar. Afinal, o que seria uma esquerda séria e pós-romântica? O certo é que depois desse indispensável livro do professor Marcelo Ridenti, a quase visão hegemônica paulistopetista da sociedade brasileira, que é o espaguete ideológico de um pólo da indústria multinacional imperialista, não poderá mais injuriar deselegantemente o "nacionalismo populista", nem tampouco identificar de maneira sacana a questão do nacionalismo com a defesa xenófoba da cultural nacional. Gilberto Vasconcellos é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor, entre outros, de "O Príncipe da Moeda" Em Busca do Povo Brasileiro - Artistas da Revolução, do CPC à Era da TV Autor: Marcelo Ridenti Editora: Record Quanto: R$ 42 (492 págs.) Texto Anterior: Cultura FM retransmite 20 óperas do Metropolitan de Nova York Próximo Texto: Encontro: Seminário reúne brasilianistas nos EUA Índice |
|