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CRÍTICA
Romance supera "predecessor", mas tem problemas
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não há mesmo plágio em "A
Vida de Pi". Por mais importante que seja a idéia de um
enredo, ela é apenas um ponto de
partida, um dos fatores que, unidos, configuram um romance. Ou
seja, se não teve o mérito de inventar a premissa do livro, Yann
Martel soube desenvolver a sua
versão da história com competência, superando em alcance a sua
predecessora ("Max e os Felinos"
não é uma das obras de primeira
linha de Moacyr Scliar, entre as
quais se pode citar "O Centauro
no Jardim" ou "A Estranha Nação
de Rafael Mendes").
Na verdade, a própria concepção de plágio é muito controversa
em literatura. Autores fundamentais como Ricardo Piglia ou Georges Perec assentam parte decisiva
de sua construção ficcional em
uma espécie de "teoria do empréstimo", que é anunciada de
modos muito sinuosos. Além disso, já se falou até -de maneira
um pouco exagerada- que "todo
texto se constrói como mosaico
de citações, todo texto é absorção
e transformação de um outro texto" (para lembrar uma famosa definição de Julia Kristeva).
Deixando essa questão de lado,
é preciso dizer que, apesar de suas
qualidades, "A Vida de Pi" tem
problemas. A primeira parte da
narrativa, cerca de cem inflacionadas páginas, destoa do restante.
Nela, o autor parece se propor a
fornecer ao leitor o instrumental
"zoológico" e religioso para
acompanhar o que virá a seguir.
Isso provoca a impressão de se
estar lendo uma mistura da revista "National Geographic" e de um
manual comparativo de crenças, e
até boas idéias, como a de o protagonista, Piscine (Pi) Molitor Patel,
resolver se tornar ao mesmo tempo cristão, muçulmano e hinduísta, terminam se diluindo.
A partir do naufrágio, no início
da segunda parte, no qual o personagem perde a família e se vê
confinado a um barco com alguns
animais sobreviventes, o texto ganha força e não pára de crescer,
com destaque para a relação de
complexa interdependência que
Pi e o tigre de Bengala, chamado
Richard Parker, desenvolvem. A
"amizade" é tratada com precisão
por Martel, em bela alternância de
ritmos lentos e acelerados.
Na terceira parte, o registro do
texto se torna mais irônico e surpreendente. O personagem consegue se salvar e precisa contar a
sua experiência para uma dupla
de funcionários do governo japonês. Aí, o autor parece antever toda a polêmica que seu livro causaria e demonstra com virtuosismo
e humor como uma mesma história pode ser recontada de modo
absolutamente diferente. E como
ambas podem ser muito boas.
Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude
do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (Globo).
A Vida de Pi
Autor: Yann Martel
Tradução: Alda Porto
Editora: Rocco
Quanto: R$ 39,50 (354 págs.)
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