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Crítica/Bienal em questão
Proposta é consistente e inovadora
Novidades e conceitos adotados pela instituição e curadoria representam um aporte importante para o circuito de arte
Projeto assumido pela curadoria tirou da Bienal o caráter espetacular e efêmero, investindo na formação e no intercâmbio
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Como Viver Junto", a 27ª
edição da Bienal, é resultado de
uma série de novos conceitos
na realização das bienais paulistanas: teve seu time curatorial escolhido em processo de
seleção por projeto, acabou
com as representações nacionais, estendeu a temporalidade
da mostra com seminários,
criou residências artísticas.
Tudo isso representou um
significativo aporte ao circuito
artístico da cidade, pois tirou da
Bienal o caráter espetacular e
efêmero, investindo na formação e no intercâmbio. Palestras
como as dos artistas Rirkrit Tiravanija e Marjetica Potrc ou
do professores em arquitetura
Eyal Weyzman e Beatriz Colomina devem ser considerados
pontos altos da Bienal.
Criada a partir de conceitos
do artista Hélio Oiticica (1937
1980), a Bienal, tendo à frente
Lisette Lagnado, é, claramente,
construída a partir de um projeto consistente e ai está seu
grande mérito. Como uma lente, esse projeto pode direcionar
o olhar do visitante. E surge aí
um dos dilemas da mostra: certos trabalhos se tornam ilustração das teses dos curadores.
Um exemplo disso está nas
fotos do sul-africano Guy Tillim, realizadas no Congo, com
registros da casa do ex-ditador
do país e das eleições. Contudo,
o caráter documental das fotos
é seu próprio limite, mesmo
problema que ocorre com Randa Shaath e suas fotos de coberturas de edifícios e de calçadas
no Cairo. Nesses casos, é patente a ilustração do "como viver
junto": no primeiro caso como
conflito, no segundo como ocupação do mesmo espaço. Os curadores usam essas obras para
abordar temas, como a ditadura ou o uso informal dos espaços. Por isso, as legendas tornam-se tão marcantes na mostra, explicando por demais as
obras, o que, às vezes, as reduz.
Os retratos de índios numerados, de Claudia Andujar, estão nesse contexto, mas possuem uma contundência que
escapa ao mero registro e apresentam complexidade superior
aos trabalhos dos fotojornalistas, até mesmo na maneira como a obra está exposta.
Esse dilema, contudo, está
presente nas próprias propostas de Oiticica, com o "adeus ao
esteticismo", e nas discussões
da arte conceitual nos anos 70 e
80. Assim, ganha extremo sentido a presença de contemporâneos históricos como Gordon
Matta-Clark, Ana Mendieta e
Dan Graham. Por tudo isso,
tornam-se emblemáticas obras
que conseguem questionar
conceitos de Oiticica, como a
loja de Laura Lima e a instalação de Thomas Hirschhorn. A
artista propõe que visitantes
vistam trajes. Mas, diferentemente dos Parangolés, para serem usados caminhando-se na
mostra, eles são apenas para serem experimentados como numa loja, produto de fetiche, o
que acaba sendo irônico.
Já Hirschhorn, com "Restaure Agora", apresenta uma instalação com dezenas de livros de
filosofia e ferramentas, ambos
símbolos da transformação
-seja pela idéia, seja pela ação,
em meio a fotos de pessoas esquartejadas. Livros e ferramentas estão amarrados, não servem. Em monitores, quem se
movimenta é o artista, apenas
com os braços, sem sair do lugar. Seu silêncio é revelador.
Os curadores da Bienal também assumiram um risco: obrigar os artistas a apresentarem
novas obras. Especialmente no
Brasil, onde há tão pouco incentivo à produção, essa proposta não deixa de ser valiosa,
mas, ótimos artistas como Marepe, com seus guarda-chuvas,
ou Jarbas Lopes, com o resultado de sua expedição à Amazônia, têm trabalhos aquém do
que já realizaram.
O que os valoriza, no entanto,
é a proposta de apresentar várias obras do mesmo artista, sinal de de respeito dos curadores aos artistas, valorizando sua
obra e evitando sua instrumentalização. Também se percebe
na mostra as dificuldades da
instituição em lidar com obras
que extravasam o campo artístico, caso positivo do grupo Superflex. Proibido de apresentar
o "Guaraná Power", a bebida
que de fato contém guaraná, ao
contrário de produtos de grandes corporações, a censura foi
assumida e incorporada à exposição. Já "Fogo Amigo", de
Marcelo Cidade, um bloqueador de celulares, não funciona,
e o pedestal com o aparelho representa a falta de apoio da instituição ao trabalho.
Acabar com as representações nacionais tornou a mostra
menos suntuosa, com um tom
mais intimista -e, em alguns
casos, é preciso atenção redobrada para descobrir trabalhos
como o vídeo "Seqüência da
Tempestade", de Shwan Gladewll, uma surpreendente fusão de Caspar David Friedrich
com skate e samba, os desenhos alucinantes de Simon
Evans, ou a instalação misteriosa de Renata Lucas. É no silêncio, como na gestualidade de
Hirschhorn, afinal, que a mostra cumpre seu programa. Seria
essa a nova política?
27ª BIENAL DE SÃO PAULO
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