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FERNANDO GABEIRA
Índios, ecologistas e quilombolas
Qual o conteúdo do que chamamos de diálogo nacional? A transição da ciência para a magia?
SOBROU PARA nós. Em busca de
desenvolvimento com magia,
uma vez que as fórmulas científicas não o satisfazem, o presidente
apontou-nos como um obstáculo ao
crescimento.
No fundo, acho que não acredita
nisso. Passou algum tempo ao lado
do Blairo Maggi (Bagre ou Baggi),
talvez tenha se influenciado. Além
disso, continua faltando ao seu lado
um Sancho Pança: olhe, mestre, olhe
bem o que está falando.
Há um certo fascínio pelo modo
como cresce a China. Eles superbombearam suas reservas hídricas
no norte e são forçados, cada vez
mais, a importar grãos e a água que
consomem no cultivo. O Rio Amarelo foi poluído e, nas grandes cidades,
o ar não é nada bom.
E daí, se a China cresce e aumenta
sua cota no comércio mundial?
Acontece, em primeiro lugar, que a
China paga baixos salários. Em segundo lugar, a destruição de seu
meio ambiente é resignadamente
aceita porque a grande imagem da
China é a de um país superpovoado.
O Brasil é visto como uma potência natural. Se adotarmos um tipo de
crescimento insustentável como o
dos grandes países do bloco socialista, simplesmente estaremos cometendo um colossal erro estratégico.
Nossos produtos seriam rejeitados,
como já são alguns produtos que
contribuem para o aquecimento
global. A insustentabilidade econômica seria acrescida da ambiental.
Faz algum tempo que distingo as
fases de Lula. Ele está meio sem censura. Dizer que é ao chegar ao governo que se toma conhecimento das
leis ambientais, do Tribunal de Contas, do Congresso.
Ora, muitas das leis ambientais
que existem no Brasil foram votadas
com o apoio do PT. Na oposição, víamos o Ministério Público e o Tribunal de Contas como aliados no controle democrático.
O que aconteceu na cabeça dele?
Nada. São ainda os efeitos da vitória.
Entre o primeiro e o segundo turno,
andava muito mais cauteloso. Quando se sente desanuviado, beija a mão
do Jader Barbalho, compara Newton Cardoso a Pelé.
Tenho sentido muita insegurança
nesse tão decantado diálogo. É claro
que toda política séria precisa dialogar com aliados e adversários. É uma
regra que, como se sabe, vale também para a diplomacia.
Mas nessa, há uma distinção clara
entre celebrar o diálogo e analisar
seu conteúdo.
Qual o conteúdo do chamado diálogo nacional? A transição da ciência para a magia?
A consciência de que índios, ecologistas e quilombolas são um obstáculo ao crescimento?
Quando houve a Rio-92, no espaço oficial, afirmou-se a importância
crucial da diversidade das espécies
para a continuidade da vida no planeta. Já no Aterro do Flamengo,
afirmou-se o papel-chave da diversidade cultural para a continuidade da
vida humana.
O que eles chamam de diálogo, na
verdade, é apenas um ritual de acasalamento. O dote das noivas é um
documento que fica guardado junto
com os outros no palácio. Quando se
unem todos, então, e isso acontece
também no Rio, transmitem uma
idéia de Arca de Noé. Estão todos lá,
não sabem exatamente para onde
vão, mas o importante é isso, o governo como um barco que acomoda
todo mundo. A tarefa consiste apenas em acomodar bem, cuidar dos
enjôos esporádicos, manter o barco
à tona, sem definir o seu rumo.
O ideal nesse diálogo é que estivessem discutindo. Mas as últimas
falas do arquiteto do diálogo tem sido assustadoras. Aliás, esse diálogo,
lembra-me outro que aconteceu no
avião. Uma velha conhecida entrou
no corredor, saudou-me com esta
pergunta: tudo sob controle?
-Sob controle está. Só que um
pouco atrasado.
Faltou dizer: há a estafa dos controladores, alguns pontos cegos na
aerovia, talvez um outro radar envelhecido, enfim, tudo sob controle.
Quando vi toda essa gente no diálogo, cheguei a desejar que discutissem. Seria bom para o Brasil. Agora,
sinto-me como um personagem de
Herman Melville que dizia invariavelmente esta frase: preferiria não.
Se você participa desse banquete
de idéias, você não é civilizado. É
desses oposicionistas capazes de
usar uma camiseta: Eu não estive no
Planalto.
No momento, todos se acomodam
no barco. Só daqui a algum tempo
ouvirão as vozes da galera: para onde
vai esse barco? Ecologistas, procuradores, índios e quilombolas têm
apenas de se segurar para não ser
lançados ao mar.
O único consolo é pensar, como
Churchill sobre os americanos: eles
invariavelmente acertam, depois de
tentar todas as outras alternativas.
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