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"Não corro mais o risco de ser execrado", diz ator
Para Milhem Cortaz, críticas negativas tendem a diminuir com fama que veio com "Carandiru" e se consolidou com "Tropa"
Ator, que nas ruas leva tapas na cabeça e ouve o bordão "Pede pra sair, 02", estará em breve em "Meu Mundo em Perigo", entre outros
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Exímio capoeirista, mas um
tanto ansioso, Xuxito vez por
outra ouvia de seu mestre na
roda: "Quem corre cansa, quem
anda alcança." Hoje, o cordão
foi encostado, mas a máxima do
professor ainda acompanha
Xuxito nas telas e palcos.
Xuxito (que, a propósito, recebeu a alcunha por ser o único
branco em um grupo de negros) é Milhem Cortaz, 35, o
ator que, depois de construir
uma sólida carreira no teatro
paulistano por cerca de 15 anos,
tornou-se um dos mais requisitados nomes do cinema nacional. Em 2007, atuou em cinco
filmes, incluindo o sucesso
"Tropa de Elite". Neste ano,
surgirá em pelo menos mais
três, dentre eles o aguardado
"Encarnação do Demônio", que
marca a volta de José Mojica
Marins à direção.
Foi o capitão Fábio (o 02 de
"Tropa") que familiarizou o
grande público com um rosto
que o meio cinematográfico
descobrira em "Carandiru"
(2003), como Peixeira, o criminoso convertido em evangélico
-ele antes fizera uma ponta em
"Através da Janela" (2000). "A
partir de "Carandiru", as pessoas não vão mais dizer que
meu trabalho está uma merda.
Dirão: "Não está bem neste filme". Não corro mais o risco de
ser execrado", avalia.
Mas de um ou outro sopapo
ele não se livrou... Nos últimos
meses, quando alguém o reconhece na rua, a "saudação" não
raro inclui tapas na cabeça junto com o bordão "Pede para
sair, 02!". "Me assustou isso [a
súbita fama]. Nunca tinha tido
um alcance tão grande. Em setembro, era um merda. Em outubro, era uma barra de chocolate. Estou adorando, aproveito, mas não acredito nisso [na
consagração], senão morro em
vida, estaciono", diz Cortaz.
O convite para o filme de José Padilha foi o primeiro de sua
carreira no cinema -ele obtivera os papéis anteriores em
testes. Talvez por isso Cortaz
defenda com tanta veemência o
personagem de índole duvidosa -que tem entre suas "atividades paralelas" cobrar propina para fazer a segurança de estabelecimentos comerciais.
"Ele está dando um jeito de sobreviver. Não é um filho da puta, não corrompe ninguém, não
esculacha ninguém. É o típico
brasileiro, é meu Macunaíma."
Macunaíma cuja farda não
deve migrar para a TV, se forem
adiante as negociações para
transformar o filme em série.
Os produtores negociam com a
Globo; Cortaz tem contrato
com a Record (já fez quatro novelas no canal). "Mas já cumpri
meu ciclo em "Tropa". Acho até
charmoso o capitão Fábio não
aparecer mais. Tinha medo de
banalizar o personagem", diz.
Brasília
O sucesso popular coincidiu
com o respaldo de um prêmio.
Em novembro, recebeu o Candango de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília
pela atuação em "Meu Mundo
em Perigo", de José Eduardo
Belmonte ("O diretor de quem
pretendo fazer todos os filmes"). Ele é Fito, desempregado cuja falta de iniciativa fica
explícita quando o pai é atropelado. "O Festival de Brasília é
engraçadíssimo. Você ganha o
prêmio e tem que mandar nota.
É um prêmio, R$ 5.000. R$
5.000 não é prêmio, é ajuda de
custo! Prêmio é R$ 100 mil,
né?", diz Cortaz, entre risos.
Mas ele cuida para que a afirmação jocosa não soe como ingratidão. "É louco como minha
profissão é generosa comigo. Às
vezes, acho que não mereço
tanto." O ator, é claro, deu uma
mãozinha à sorte. "Não caiu do
céu [o reconhecimento]. Fui fazendo as pessoas acreditarem
que era capaz. Na vida toda comi pelas beiradas, fui sempre a
surpresa para quem ia ver."
Quando a humildade começa a
querer escapar, Cortaz concede: "Erro com tanta paixão que
as pessoas se convencem."
Paixão que se traduz, durante duas horas de conversa, em
gestos amplos, mudanças de
timbre para reproduzir diálogos e personagens e numa agitação que, lá pelas tantas, resulta no desligamento do gravador
do repórter. É que ele quer falar
de colegas famosos que "não
exercitam [seus dotes]" e "não
têm estofo nem repertório".
Outra vontade é a de "abordar o pleno amor". O ator acha
que tem estado "distante artisticamente" do tema, entre outros fatores, por seu porte físico. "Sou o inverso do que aparento. A vida me deu esse mecanismo de defesa por eu ser tão
frágil." Ma non troppo: "Não tenho papas na língua, falo tudo.
A gente não pode ser sincero,
tem que ser verdadeiro, né? A
sinceridade ofende."
Teatro
Nos palcos, onde já atuou sob
os auspícios de Antunes Filho,
Ulysses Cruz e Cibele Forjaz,
para citar alguns, concluiu uma
bem-sucedida temporada com
"Homem sem Rumo", do norueguês Arne Lygre. "Venho do
teatro visceral, em que prevalece a emoção. "Homem" é só técnica, sem psicologismos. Nunca fiz nada tão difícil. Foi um
momento de maturidade."
Cortaz já tem um personagem-fetiche para quando virar
a curva dos 40 anos: quer ser o
Boca de Ouro de Nelson Rodrigues. Montar Edward Albee e
Harold Pinter também está nos
planos. "Mas o teatro está
abandonado, falta incentivo.
Tenho medo de essa porra acabar. Se você pensar que antigamente as sessões iam de terça a
domingo...", observa.
De volta ao cinema, as perspectivas (ao menos para ele)
são mais positivas no ano que
começa. Recém-saído das filmagens de "Se Nada Mais Der
Certo", novo encontro com
Belmonte, ele se prepara para
rodar "Augustas", estréia em
longas de ficção de Francisco
César Filho. "Achei que ia morrer "Carandiru". Aí veio o 02.
Vamos ver quanto tempo vai
durar. Tenho esperança de que
venha o "04"." Será o padre de
"Encarnação do Demônio"?
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