São Paulo, quinta-feira, 03 de janeiro de 2008

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"Não corro mais o risco de ser execrado", diz ator

Para Milhem Cortaz, críticas negativas tendem a diminuir com fama que veio com "Carandiru" e se consolidou com "Tropa"

Ator, que nas ruas leva tapas na cabeça e ouve o bordão "Pede pra sair, 02", estará em breve em "Meu Mundo em Perigo", entre outros

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Exímio capoeirista, mas um tanto ansioso, Xuxito vez por outra ouvia de seu mestre na roda: "Quem corre cansa, quem anda alcança." Hoje, o cordão foi encostado, mas a máxima do professor ainda acompanha Xuxito nas telas e palcos.
Xuxito (que, a propósito, recebeu a alcunha por ser o único branco em um grupo de negros) é Milhem Cortaz, 35, o ator que, depois de construir uma sólida carreira no teatro paulistano por cerca de 15 anos, tornou-se um dos mais requisitados nomes do cinema nacional. Em 2007, atuou em cinco filmes, incluindo o sucesso "Tropa de Elite". Neste ano, surgirá em pelo menos mais três, dentre eles o aguardado "Encarnação do Demônio", que marca a volta de José Mojica Marins à direção.
Foi o capitão Fábio (o 02 de "Tropa") que familiarizou o grande público com um rosto que o meio cinematográfico descobrira em "Carandiru" (2003), como Peixeira, o criminoso convertido em evangélico -ele antes fizera uma ponta em "Através da Janela" (2000). "A partir de "Carandiru", as pessoas não vão mais dizer que meu trabalho está uma merda. Dirão: "Não está bem neste filme". Não corro mais o risco de ser execrado", avalia.
Mas de um ou outro sopapo ele não se livrou... Nos últimos meses, quando alguém o reconhece na rua, a "saudação" não raro inclui tapas na cabeça junto com o bordão "Pede para sair, 02!". "Me assustou isso [a súbita fama]. Nunca tinha tido um alcance tão grande. Em setembro, era um merda. Em outubro, era uma barra de chocolate. Estou adorando, aproveito, mas não acredito nisso [na consagração], senão morro em vida, estaciono", diz Cortaz.
O convite para o filme de José Padilha foi o primeiro de sua carreira no cinema -ele obtivera os papéis anteriores em testes. Talvez por isso Cortaz defenda com tanta veemência o personagem de índole duvidosa -que tem entre suas "atividades paralelas" cobrar propina para fazer a segurança de estabelecimentos comerciais. "Ele está dando um jeito de sobreviver. Não é um filho da puta, não corrompe ninguém, não esculacha ninguém. É o típico brasileiro, é meu Macunaíma."
Macunaíma cuja farda não deve migrar para a TV, se forem adiante as negociações para transformar o filme em série. Os produtores negociam com a Globo; Cortaz tem contrato com a Record (já fez quatro novelas no canal). "Mas já cumpri meu ciclo em "Tropa". Acho até charmoso o capitão Fábio não aparecer mais. Tinha medo de banalizar o personagem", diz.

Brasília
O sucesso popular coincidiu com o respaldo de um prêmio. Em novembro, recebeu o Candango de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília pela atuação em "Meu Mundo em Perigo", de José Eduardo Belmonte ("O diretor de quem pretendo fazer todos os filmes"). Ele é Fito, desempregado cuja falta de iniciativa fica explícita quando o pai é atropelado. "O Festival de Brasília é engraçadíssimo. Você ganha o prêmio e tem que mandar nota. É um prêmio, R$ 5.000. R$ 5.000 não é prêmio, é ajuda de custo! Prêmio é R$ 100 mil, né?", diz Cortaz, entre risos.
Mas ele cuida para que a afirmação jocosa não soe como ingratidão. "É louco como minha profissão é generosa comigo. Às vezes, acho que não mereço tanto." O ator, é claro, deu uma mãozinha à sorte. "Não caiu do céu [o reconhecimento]. Fui fazendo as pessoas acreditarem que era capaz. Na vida toda comi pelas beiradas, fui sempre a surpresa para quem ia ver." Quando a humildade começa a querer escapar, Cortaz concede: "Erro com tanta paixão que as pessoas se convencem."
Paixão que se traduz, durante duas horas de conversa, em gestos amplos, mudanças de timbre para reproduzir diálogos e personagens e numa agitação que, lá pelas tantas, resulta no desligamento do gravador do repórter. É que ele quer falar de colegas famosos que "não exercitam [seus dotes]" e "não têm estofo nem repertório".
Outra vontade é a de "abordar o pleno amor". O ator acha que tem estado "distante artisticamente" do tema, entre outros fatores, por seu porte físico. "Sou o inverso do que aparento. A vida me deu esse mecanismo de defesa por eu ser tão frágil." Ma non troppo: "Não tenho papas na língua, falo tudo. A gente não pode ser sincero, tem que ser verdadeiro, né? A sinceridade ofende."

Teatro
Nos palcos, onde já atuou sob os auspícios de Antunes Filho, Ulysses Cruz e Cibele Forjaz, para citar alguns, concluiu uma bem-sucedida temporada com "Homem sem Rumo", do norueguês Arne Lygre. "Venho do teatro visceral, em que prevalece a emoção. "Homem" é só técnica, sem psicologismos. Nunca fiz nada tão difícil. Foi um momento de maturidade."
Cortaz já tem um personagem-fetiche para quando virar a curva dos 40 anos: quer ser o Boca de Ouro de Nelson Rodrigues. Montar Edward Albee e Harold Pinter também está nos planos. "Mas o teatro está abandonado, falta incentivo. Tenho medo de essa porra acabar. Se você pensar que antigamente as sessões iam de terça a domingo...", observa.
De volta ao cinema, as perspectivas (ao menos para ele) são mais positivas no ano que começa. Recém-saído das filmagens de "Se Nada Mais Der Certo", novo encontro com Belmonte, ele se prepara para rodar "Augustas", estréia em longas de ficção de Francisco César Filho. "Achei que ia morrer "Carandiru". Aí veio o 02. Vamos ver quanto tempo vai durar. Tenho esperança de que venha o "04"." Será o padre de "Encarnação do Demônio"?


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