São Paulo, quinta-feira, 03 de janeiro de 2008

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Entre a tradição e a modernidade

Após aguardada promoção à categoria máxima do "Michelin", Yannick Alléno acompanha a transformação do tradicional hotel Le Meurice, na França

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA, EM PARIS

Entre os chefs franceses promovidos, no início do último ano, às três estrelas (cotação máxima) pelo guia "Michelin", o nome mais comentado foi o de Anne-Sophie Pic (que esteve há pouco no Brasil e que pertence à terceira geração de uma família triestrelada de chefs), pelo bom motivo de passar ela a ser a única mulher neste universo que hoje agrega 26 restaurantes na França.
Mas há outro nome cuja ascensão vinha sendo aguardada e finalmente se concretizou: o do chef Yannick Alléno, 38 anos, do restaurante do hotel Le Meurice. Promoção que acontece no bojo de uma interessante transformação neste que é um dos hotéis mais tradicionais e luxuosos da França.
O que pensar de um hotel fundado em 1835, com uma arquitetura absolutamente clássica fincada ao pé do jardim des Tuileries, no centro de Paris, que ousa chamar o frenético arquiteto Philippe Starck para renovar suas áreas comuns? Pois se você pensar em termos de cozinha, algo parecido, embora menos espalhafatoso, vem acontecendo depois da chegada de Alléno ao hotel, em 2003.

Dedicação integral
Que cozinha é esta? "É uma cozinha parisiense", resume o chef, que não é de muito falar (diz que prefere trabalhar, coisa que faz, afirma, quase todo o tempo -ficando o pouco que resta para a família e para dormir).
O tema da cozinha regional tem sido objeto de estudo e pesquisas, sendo seu objetivo codificar as criações e tradições culinárias locais. De fato, é de Paris (e sua região, ou Província: a Île-de-France) que vem muito da inspiração de Alléno: de pratos como o "pot au feu" de Dodin Bouffin (cozido que homenageia o antigo restaurante que foi o preferido do ex-presidente Mitterand) e maçã do amor, ao uso de ingredientes locais, como o agrião de Montmorency ou o mel produzido nas colméias do... teto da Ópera de Paris.
Mas o chef não tem um prato de assinatura, como aqueles que celebrizaram vários chefs -o salmão com azedinha de Troisgros, a sopa de trufas de Bocuse, o purê de batatas de Robuchon, o gâteau coulant de Michel Bras. Ele muda completamente o cardápio a cada estação.

A ascensão
Nascido num subúrbio de Paris, Alléno acompanhou o renascimento da cozinha de restaurantes de hotéis. Foi neles que fez sua carreira. E foi em um deles -o hotel Scribe, de Paris- que obteve sua primeira estrela no guia "Michelin", em 2000, e a segunda, em 2003. Neste mesmo ano, transferiu-se para o Le Meurice, onde obteve duas estrelas em 2004 -e em 2007, a terceira.
Mesmo defendendo uma cozinha calcada nas tradições parisienses, a alta gastronomia de Yannick Alléno evidentemente não dispensa inspirações de outras origens e muito menos ingredientes superlativos vindos de outras regiões. Uma recente refeição, realizada ali neste inverno parisiense, não poderia contornar itens de estação como as trufas e as caças, como ficou demonstrado no menu-gastronômico provado (custa 190; com trufas brancas, 490; com vinhos harmonizados, mais 130).
Para despertar o paladar, uma vaporosa omelete com pernas de rã em molho de salsinha. Em seguida, agnolotti de alcachofra e parmesão com trufa branca e chantilly de rúcula, que antecederam fresquíssimas conchas cruas com ouriço-do-mar em geléia de repolho-roxo e zimbro. Próximo: simples e deliciosa vieira com linguini ao creme e trufas. Depois um estupendo e cremoso "foie gras iodado em pão de açúcar" (envolto em algas e cozido dentro de uma pedra de açúcar) com chutney de nabo e algas.
E um vigoroso prato de caça: grouse (tetraz, ave caçada na Escócia) assada no malte uísque envelhecido, com quenelles de batatas. Como queijo, um creme de brie de Meaux com trufas e salada. Como sobremesa, maçã do amor com framboesa e jasmim, depois "fuso" crocante com chocolate e lâminas de trufa branca além de um sem-número de pequenos quitutes.


O jornalista JOSIMAR MELO viajou a convite do hotel Le Meurice e da companhia aérea Swiss International


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