São Paulo, segunda-feira, 03 de janeiro de 2011

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Cecilia Bartoli lança seu "greatest hits"

A despeito da coletânea, mezzo-soprano segue em seu estudo musical para redescobrir óperas esquecidas

Italiana reclama por não ter tido um grande compositor escrevendo especificamente para ela, já com 44 anos

STUART JEFFRIES
DO "GUARDIAN", EM ZURIQUE

"Confesso que isso me entristece bastante", diz Cecilia Bartoli em tom desanimado. Anoitece em sua cidade adotada, Zurique, e lá fora começa a nevar. "Minha carreira poderia ter sido diferente".
A mezzo-soprano mais famosa do mundo confessa a frustração que sente por possuir uma voz extraordinária para a qual nenhum compositor sério até hoje compôs música bela.
Ela teria gostado de ser uma musa, mas seu destino tem sido outro. Os grandes heróis e heroínas vocais de Bartoli, dos séculos 18 e 19, tiveram mais sorte.
"Sinto ciúmes desses cantores. Porque hoje, nós, líricos, não temos essa relação. Apenas os cantores pop têm. Você menciona Farinelli -Porpora compôs para ele. Mozart compôs para Nancy Storace. Rossini compunha para Isabella Colbran. Eu não tive essa experiência."

BOLHAS
Nosso encontro acontece para falar sobre sua nova coletânea de sucessos, "Sospiri", em relação ao qual ela se mostra otimista, embora eu desconfie que esse tipo de álbum não seja de maneira alguma o que ela gostaria de fazer. "Veja as bolhas", diz ela, apontando para a capa, que a mostra em suposta êxtase em meio às borbulhas.
"Eles quiseram", prossegue, aludindo à gravadora. "E eu disse "por que não?"." "Sospiri" é uma coletânea de árias tranquilas concebidas como "mood music" (música ligeira e agradável).
O CD inclui sua interpretação de "Gelido in Ogni Vena", de "Farnace", de Vivaldi. Foi Vivaldi, o esquecido compositor de música vocal, quem Bartoli trouxe à tona quase 12 anos atrás. Seu álbum de Vivaldi lançado em 1999 fez milhões de pessoas perceberem que o veneziano compôs algo além de "As Quatro Estações".
"Foi um sucesso imprevisto e me animou a seguir com outras pesquisas sobre música que tinha caído no esquecimento", diz a italiana.
Achando que Bartoli possuía um toque de Midas, a Decca financiou álbuns comercialmente duvidosos: seu disco de Gluck, outro com música de óperas proibidas pela igreja em Roma, um disco de árias criadas para castrati e um álbum de homenagem a sua heroína oitocentista Maria Malibran. Todos venderam centenas de milhares de cópias.
É por meio de pesquisas como essas que Bartoli vem conseguindo, a seus próprios olhos, conservar sua integridade como artista criativa, a despeito das bolhas.
Talvez o melhor exemplo disso seja seu álbum de 2008 "Sacrificium", que incluiu onze gravações -todas estreias mundiais- de árias barrocas cantadas originalmente por homens que tiveram os genitais mutilados, os castrati.
"O que aconteceu com eles foi a coisa mais criminosa na história da música erudita", diz ela. "Durante cerca de cem anos, na Itália, até 4.000 meninos foram castrados todos os anos. Nas famílias do sul do país, que com frequência tinham dez ou 12 filhos, um era sacrificado. A esperança era que o garoto pudesse salvar a família da pobreza. Em sua época, Farinelli foi tão famoso quanto Michael Jackson." Dez anos atrás, Bartoli disse a um entrevistador que os melhores anos de uma mezzo-soprano são entre os 30 e os 45 anos de idade.
Ela está com 44. Está se preparando para o declínio profissional inevitável? "É verdade que eu disse isso, mas não pretendo me aposentar logo."

FUTURO
Bartoli está tentando fazer duas coisas difíceis ao mesmo tempo: conservar sua integridade e sua longevidade profissional.
Existem dois papéis grandes para mezzo-soprano que se destacam, e Bartoli é obcecada por eles. Ela estudou a história das apresentações de duas óperas de Bellini no estilo bel canto, "Norma" e "La Sonnambula", e descobriu que os papéis foram cooptados por sopranos.
"Bellini compôs "Norma" e "La Sonnambula" para Giuditta Pasta, que era mezzo-soprano. Na década de 1950, Maria Calas e Joan Sutherland celebrizaram esses papéis. Mas elas são sopranos! Temos um entendimento falso do que Bellini criou."
A gravação que ela fez de "La Sonnambula" no ano passado ficará como corretivo histórico, mas agora Bartoli também quer gravar sua própria "Norma".
"O papel foi criado para uma mezzo-soprano, então vou reivindicá-lo."

Tradução de CLARA ALLAIN


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