São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

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"MEMÓRIAS DE UMA GUEIXA"

O Oriente visto como filme teen estereotipado

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos olhos ocidentais, gueixas são criaturas irreais, quase um alien de sonhos. Encarnam certo espírito oriental que prevê a submissão da mulher ao homem: com o rosto pintado de branco, vivem como fantasmas em um mundo à parte, nunca dentro nem em sincronia com a realidade.
É fácil entender por que Steven Spielberg, cineasta sempre interessado em extraterrestres e histórias de abandono, se interessou em levar às telas o best-seller "Memórias de uma Gueixa" -no filme que entra em cartaz hoje, ele é produtor.
Surgidas por volta do século 18 no Japão, as gueixas (algo como "pessoa que vive da arte") são ao mesmo tempo atrizes e palco à disposição de homens da elite. Encarnam o imaginário da mulher perfeita, uma obra de arte que se movimenta e existe para fazer os homens se sentirem mais importantes. São treinadas durante anos para cantar, dançar, conversar e outros "ar", mas não transar, por mais que seu mito inclua a prostituição.
É, portanto, uma figura que suscita especulações e fantasias, e é nesse espírito que o diretor Rob Marshall embarca -ainda que lance explicações didáticas. Predomina no filme a visão estrangeira estereotipada sobre o Oriente, aqui sinônimo de povo misterioso, de beleza exótica e cheio de rituais. Na história de Sayuri (Ziyi Zhang), menina que é vendida pelos pais no período entre guerras e vai a uma casa de gueixas, Marshall vê o Japão como cenário para uma espécie de novela de TV superproduzida, misturada com as cores e os excessos da Broadway (seu filme anterior é "Chicago").
Claro, tudo é licença poética, mas "Memórias de uma Gueixa" se constrói mais como um típico filme teen americano de escola. Todos os personagens falam inglês, entre uma e outra palavra em japonês. Hatsumomo (Gong Li), a gueixa top de linha, gasta seu tempo azucrinando a pobre Sayuri; é particularmente constrangedora a cena em que a garota vai pela primeira vez à escola e se atrasa: no lugar da roupa de líder de torcida, quimonos.
Muito mais revelador da cultura dos EUA do que da do Japão, no seu olhar estrangeiro que se pretende multicultural e condescendente, "Memórias" embaralha ainda mais a questão racial ao provocar um incidente diplomático e reavivar traumas históricos. No começo da semana, o filme foi proibido na China devido ao fato de atrizes chinesas interpretarem gueixas -escolha considerada ofensiva, já que o Japão fez barbáries na China em guerras.


Memórias de uma Gueixa
Memoirs of a Geisha
  
Produção: EUA, 2005
Direção: Rob Marshall
Com: Ziyi Zhang, Gong Li
Quando: a partir de hoje nos cines Vitrine, Kinoplex Itaim e circuito


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