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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Na periferia
Livro de Ferréz e revista temática "Sexta-Feira" revelam vida diversa, cor,
calor e conflitos da periferia
DESDE A capa, "Ninguém é
Inocente em São Paulo", o
último livro de Ferréz, estampa a fronteira e o fosso que alimentam sua literatura. Ocupando a
metade inferior, a espiral de piscinas
(caracol de concreto) do prédio de
luxo no Morumbi é separada da
mancha aplastada de autoconstruções de Paraisópolis pelas cores vivas de quadras de esportes, terra de
ninguém nas mãos de poucos. Invertida, a foto se duplica na metade
superior, barrando o horizonte e
confundindo a vista, em composição
abstrata e claustrofóbica. No meio, o
único azul é o do título, culpa gritada
em caixa alta.
Costurando, também desde a capa, as quase 300 páginas do número
recém-lançado de "Sexta-Feira", revista multidisciplinar editada por
antropólogos uspianos, um ensaio
fotográfico de Lúcia Loeb percorre e
registra toda a extensão dos 18 quilômetros (soma das margens direita
e esquerda) de fachadas da avenida
Celso Garcia. A nota monocórdia
das construções baixas, cinzentas e
coladas umas às outras, só quebrada
por pichações, outdoors e raríssimas
praças, engana o olhar e engole a
presença humana. A primeira sensação é do "dejà vu" desalentador:
onde fica a saída?
Nos dois casos, o projeto gráfico,
funcional e bem resolvido, não é mero rodeio do tema, no caso, a periferia. Rodeios, aliás, que não caberiam
na escrita de Ferréz. Anotada com
raiva e pouca paciência por um narrador que ainda aposta no teor crítico da literatura realista, a experiência da espoliação urbana cotidiana é
a matéria imediata dos textos breves
que compõem o volume recente.
Chacinas e estigmas, subemprego
e violência ganham registro incisivo
e econômico (o avesso da reiteração
cumulativa que "Cidade de Deus",
de Paulo Lins, por exemplo, adota
como procedimento construtivo).
Ganha a contundência do registro e
da denúncia, cuja urgência não admite tatibitate, nem hesitação.
Ferréz faz parte da antologia de
textos literários centrados na periferia que entremeiam os ensaios do
número temático de "Sexta-Feira".
Ficção, depoimentos e discussão
teórica se somam num esforço de
dar relevo singular e concreto, de assimilar de dentro e de perto a complexidade do assunto em seus múltiplos aspectos (territorial, político,
econômico). O esforço é o de repensar a pertinência das noções de centro e margem no mundo contemporâneo, de duvidar da associação imediata entre pobreza e violência, de
apresentar a reivindicação identitária positiva que "ser do pedaço" pode recobrir, aprendendo a novidade
de circuitos culturais próprios, desconhecidos dos "de fora". Para além
do parentesco das capas, os contos
de Ferréz e a coletânea de ensaios
revelam vida diversa, cor, calor e
conflitos da periferia que não se resumem a uma abstração cinzenta.
NINGUÉM É INOCENTE EM SÃO PAULO
Autor: Ferréz
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 24,90 (94 págs.)
SEXTA-FEIRA Nš 8 - PERIFERIA
Autores: Hermano Vianna, Bruno Zeni, Lúcia
Loeb e Edu Marin Kessedjian, entre outros
Editora: 34
Quanto: R$ 30 (288 págs.)
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