São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Na periferia

Livro de Ferréz e revista temática "Sexta-Feira" revelam vida diversa, cor, calor e conflitos da periferia

DESDE A capa, "Ninguém é Inocente em São Paulo", o último livro de Ferréz, estampa a fronteira e o fosso que alimentam sua literatura. Ocupando a metade inferior, a espiral de piscinas (caracol de concreto) do prédio de luxo no Morumbi é separada da mancha aplastada de autoconstruções de Paraisópolis pelas cores vivas de quadras de esportes, terra de ninguém nas mãos de poucos. Invertida, a foto se duplica na metade superior, barrando o horizonte e confundindo a vista, em composição abstrata e claustrofóbica. No meio, o único azul é o do título, culpa gritada em caixa alta.
Costurando, também desde a capa, as quase 300 páginas do número recém-lançado de "Sexta-Feira", revista multidisciplinar editada por antropólogos uspianos, um ensaio fotográfico de Lúcia Loeb percorre e registra toda a extensão dos 18 quilômetros (soma das margens direita e esquerda) de fachadas da avenida Celso Garcia. A nota monocórdia das construções baixas, cinzentas e coladas umas às outras, só quebrada por pichações, outdoors e raríssimas praças, engana o olhar e engole a presença humana. A primeira sensação é do "dejà vu" desalentador: onde fica a saída?
Nos dois casos, o projeto gráfico, funcional e bem resolvido, não é mero rodeio do tema, no caso, a periferia. Rodeios, aliás, que não caberiam na escrita de Ferréz. Anotada com raiva e pouca paciência por um narrador que ainda aposta no teor crítico da literatura realista, a experiência da espoliação urbana cotidiana é a matéria imediata dos textos breves que compõem o volume recente.
Chacinas e estigmas, subemprego e violência ganham registro incisivo e econômico (o avesso da reiteração cumulativa que "Cidade de Deus", de Paulo Lins, por exemplo, adota como procedimento construtivo).
Ganha a contundência do registro e da denúncia, cuja urgência não admite tatibitate, nem hesitação. Ferréz faz parte da antologia de textos literários centrados na periferia que entremeiam os ensaios do número temático de "Sexta-Feira".
Ficção, depoimentos e discussão teórica se somam num esforço de dar relevo singular e concreto, de assimilar de dentro e de perto a complexidade do assunto em seus múltiplos aspectos (territorial, político, econômico). O esforço é o de repensar a pertinência das noções de centro e margem no mundo contemporâneo, de duvidar da associação imediata entre pobreza e violência, de apresentar a reivindicação identitária positiva que "ser do pedaço" pode recobrir, aprendendo a novidade de circuitos culturais próprios, desconhecidos dos "de fora". Para além do parentesco das capas, os contos de Ferréz e a coletânea de ensaios revelam vida diversa, cor, calor e conflitos da periferia que não se resumem a uma abstração cinzenta.


NINGUÉM É INOCENTE EM SÃO PAULO    
Autor: Ferréz
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 24,90 (94 págs.)

SEXTA-FEIRA Nš 8 - PERIFERIA    
Autores: Hermano Vianna, Bruno Zeni, Lúcia Loeb e Edu Marin Kessedjian, entre outros
Editora: 34
Quanto: R$ 30 (288 págs.)


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